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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A origem da vida não é altamente improvável?

Artigo sobre a origem da vida postado originalmente em BioLogos. Boa leitura!





Em poucas palavras

De tudo o que sabemos sobre a situação da Terra a 3 ou 4 bilhões de anos atrás e sobre a complexidade dos blocos de construção da vida - DNA, RNA, aminoácidos, açúcares - nenhuma hipótese inteiramente plausível para a origem espontânea da vida foi encontrada. Mas isto não significa que a atividade sobrenatural seja a única explanação possível

Em detalhe

Introdução 

Seria difícil dar uma resposta curta a esta complexa questão. De tudo o que sabemos sobre o estado da Terra 3 a 4 bilhões de anos atrás, e o que sabemos sobre a complexidade dos blocos constitutivos da vida - DNA, RNA, aminoácidos, açúcares - nenhuma hipótese inteiramente plausível para a origem espontânea da vida foi encontrada. Porque o tópico não tem tantas aplicações potencialmente vantajosas quantas outras áreas da ciência, menos pesquisa tem tradicionalmente sido desenvolvida nesta área. Contudo, cientistas estão correntemente abordando este desafio a partir de um número de diferentes perspectivas[1]. O fato que não existe uma resposta hoje não significa que não existirá amanhã.  Embora uma explicação para a origem da vida seja atualmente evasiva, não significa que a intervenção divina é a única explanação possível. Existem muitos fenômenos naturais não explicados; a origem da vida é simplesmente um exemplo particularmente constrangedor de um mistério sem solução ao qual nós gostaríamos de entender.

Esclarecimentos

Em discussões sobre a origem da vida, um primeiro passo importante é esclarecer o que se está querendo dizer por vida. As primeiras formas de vida na Terra eram provavelmente muito diferentes do que nós chamaríamos vida hoje. Pode-se tentar pensar em vida como qualquer coisa contendo a dupla hélice de DNA vista em muitas formas de vida atualmente. Contudo, a principal propriedade necessária para o início da vida é a autorreplicação. Os mais antigos sistemas autorreplicantes poderiam ter sido feitos de DNA, RNA ou alguns outros blocos básicos de construção. A principal característica de tais sistemas teria sido a habilidade de reunirem substâncias químicas do ambiente local e fazerem cópias de si mesmos. Toda vida na Terra contém carbono como um elemento constitutivo essencial[2]. O carbono é o mais simples elemento capaz de formar as notáveis moléculas complexas que são tão comuns nas formas de vida. Logo, é provável que o carbono estivesse envolvido no início. Compostos contendo carbono são geralmente categorizados como orgânicos; e explorar os mecanismos naturais que criam compostos orgânicos complexos é um foco principal em pesquisa sobre as origens da vida.

É também importante manter em mente a idade da Terra. A Terra tem aproximadamente 4.5 bilhões de anos. Todas as evidências sugerem que a Terra era inóspita para a vida nos primeiros 700 milhões de anos, em grande parte porque ela era quente demais. Contudo, ela gradualmente esfriou e 4 bilhões de anos atrás tornou-se mais hospitaleira. Dentro de pouco mais de 100 milhões de anos, as primeiras formas de vida unicelular apareceram[3]. De onde vem estes organismos? E quais eram suas capacidades? Apesar de não conhecer o caminho que levou a estas formas bacterianas iniciais, parece provável que o DNA emergiu como a molécula da informação por este tempo. O microbiologista e físico Carl R. Woese sugere que existiu uma quantidade considerável de transferência lateral de genes entre as primeiras formas de bactérias chamadas Archaeobacteria[4]. Transferência lateral de genes, como é o movimento de genes de uma bactéria para outra, teria permitido a troca de material genético, e, portanto aceleraria o processo de diversificação de função biológica posto em prática pela seleção natural. Como estes primeiros organismos de qualquer modo se desenvolveram em primeiro lugar é o tópico da discussão seguinte.

O experimento Miller-Urey 

Charles Darwin frequentemente recebe o crédito pela hipótese original do "pequeno lago quente", a qual propõe que a vida pode ter surgido de uma combinação de compostos orgânicos e energia[5]. O bioquímico soviético Aleksandr Ivanovich Oparin revisitou esta ideia e propôs que a vida se formou em um ambiente que carecia de oxigênio mas era energizado pela luz do Sol[6]. Estes tipos de ideias são a base de muitas pesquisas sobre a origem da vida, inclusive o famoso experimento Miller-Urey.

Em 1953 na Universidade de Chicago, Stanley Miller e Harold Urey atacaram o problema da origem da vida reproduzindo as condições que eles acreditavam estarem presentes na Terra primitiva quando a vida se originou. Passando eletricidade em uma mistura de água e compostos inorgânicos eles produziram compostos orgânicos incluindo aminoácidos, os blocos construtores das proteínas[7]. Estes resultados catalisaram experimentos posteriores - e, no mínimo para alguns, parecia que a solução para o mistério da vida estava prestes a ser revelada.

Uma descoberta subsequente realizada por Juan Oró na Universidade de Houstou, publicada em 1961, demonstrou que tanto um componente essencial do DNA - adenina - quanto vários aminoácidos poderiam ser formados aquecendo-se o composto inorgânico cianeto de hidrogênio em uma solução de água e amônia[8]. Embora este trabalho potencialmente contribuiu com peças úteis para o enigma[9], experimento do tipo Miller-Urey ficaram aquém de fornecer uma resposta completa  de como a vida se originou. Uma coisa é ter compostos orgânicos presentes, outra inteiramente diversa é tê-los formando um sistema autorreplicante.

Recentemente, estes resultados iniciais foram revisitados com métodos mais sensíveis. Pesquisadores descobriram aminoácidos adicionais e outros blocos constituintes formados durante o experimento Miller-Urey que eles originalmente não tinham percebido[10]. Miller prosseguiu com vários experimentos para definir os processos relativos à origem da vida e, embora o mistério permaneça insolúvel, membros de seu laboratório descobriram que aminoácidos e outros constituintes dos seres vivos podem também se formar de compostos inorgânicos em ambientes extremamente frios[11].

Como a vida surgiu

Explicações de como os aminoácidos, nucleotídeos e açúcares foram formados, como eles reuniram-se sob a forma de DNA e RNA, e então como estes constituintes da vida vieram a replicar-se e adquirir as enzimas para facilitar este processo são todas ainda especulativas. Contudo, muitas ideias interessantes estão sendo pesquisadas, incluindo a teoria das chaminés dos mares profundos[12], a teoria das praias radioativas[13] e a teoria do barro ou cristal[14]. Outra opinião, sustentada por Francis Crick e outros, é que a única explicação para a vida na Terra é que ela veio de outro planeta[15]. Porém este tipo de explicação só desloca a questão mais para trás. Como este vida extraterrestre se originou? Uma explicação convincente da origem da vida aqui na Terra ainda não emergiu.

Teorias evolutivas de como a vida se originou caem em dois campos principais: a hipótese do primeiro gene e a hipótese do primeiro metabolismo. A hipótese do primeiro gene atualmente concentra-se no RNA ao invés do DNA, já que certas moléculas de RNA têm mostrado capacidade para funcionar como enzimas, sugerindo que o RNA poderia ter carregado informações, bem como copiado a si mesmo. Desde ponto de vista, o RNA precedeu ambos o DNA e a síntese protéica. Por outro lado, a hipótese do primeiro metabolismo afirma que as moléculas dos materiais pré-bióticos formaram ciclos químicos; redes de reações químicas que deram início aos primitivos sistemas metabólicos. Estes sistemas metabólicos existiram antes do RNA e proveram o ambiente para a replicação do RNA posteriormente emergir. A despeito da exploração de numerosas vias de pesquisa, ambas as teorias carecem de evidências conclusivas atualmente. Enquanto pesquisadores têm recentemente gerado RNA autorreplicativo de moléculas pré-bióticas em laboratório[16], é difícil entender como o RNA - um polímero notoriamente instável - pode ter suportado sistema de autorreplicação no química e termicamente hostil ambiente do primitivo planeta Terra.

Conclusão

O estudo da origem da vida é uma excitante área de pesquisa. Ainda não se pode emitir juízo de como a primeira vida emergiu. Uma resposta simples seria dar uma explicação tipo Deus-das-lacunas: que alguma força sobrenatural, ou seja, Deus deve ter intervido para trazer a vida à existência.

Mas considere a linha do tempo destes dilemas científicos. A vida na Terra apareceu a cerca de 3.85 bilhões de anos atrás, contudo estudos científicos sérios de suas origens foram iniciados a cerca de 60 anos apenas. Uma convincente explicação científica pode ainda surgir nos próximos 50 anos. Embora a origem da vida pudesse certamente ter resultado da ação direta de Deus, é perigosamente presunçoso concluir que ela está além da descoberta no domínio científico simplesmente porque nós não temos atualmente uma convincente explicação científica. Embora a origem da vida seja certamente um genuíno mistério científico, este não é o lugar para pessoas sérias apostarem sua fé. Tudo o que tem acontecido na história da vida tem ocorrido em resposta ao comando criador de Deus (Jo 1.3). Além disto, Deus é imanente na criação, mantendo as leis naturais. Colossenses 1.17 os diz: "Ele é antes de todas as coisas, e nele todas as coisas subsistem". O que não sabemos neste ponto é a extensão na qual Deus pode ter intervido sobrenaturalmente na história da vida. Alguns acreditam que o comando criativo foi trazido através das leis naturais, as quais têm sido continuamente sustentadas pela permanente presença de Deus na criação. Outros acreditam que desde que o Deus da Bíblia e o Deus que experimentamos em nossas vidas intervêm sobrenaturalmente às vezes, isto também provavelmente teria sido verdade na história da vida. Nenhuma destas visões são inconsistentes com as descobertas científicas. O que importa é que na visão de BioLogos, a sustentadora presença criativa de Deus mantém toda a história da vida do início até agora.

Finalmente, como um ponto puramente técnico, a teoria da evolução não propõe uma explicação à questão da origem da vida de modo algum. A teoria da evolução torna-se relevante apenas após a vida já ter começado.


Leituras adicionais

Livros

Hazen, Robert M. Genesis: The Scientific Quest for Life's Origins. Washington, D.C.: Joseph Henry Press, 2005.

Knoll, Andrew H. Life on a Young Planet: The First Three Billion Years of Evolution on Earth. New Jersey: Princeton University Press, 2003.


Notas

  1.  Dois exemplos de grupos de pesquisa trabalhando no tópico são:  Gerald Joyce no Scripps Research Institute (The Joyce Laboratory, http://www.scripps.edu/mb/joyce/ (acessado em 12/20/08)) e Jack Szostak com a iniciativa Origins of Life na Harvard University (The Origins of Life Initiative,  http://www.harvardscience.harvard.edu/directory/programs/origins-life-initiative (acessado em 12/20/08)).  Outras publicações recentes na matéria incluem Robert M. Hazen, Genesis: The Scientific Quest for Life's Origins (Washington, D.C.: Joseph Henry Press, 2005), e Andrew H. Knoll Life on a Young Planet: The First Three Billion Years of Evolution on Earth (New Jersey: Princeton University Press, 2003).
  2.  Tem-se proposto que o silício pode ser uma alternativa ao carbono, já que ele é estruturalmente similar a este com uma camada eletrônica externa cheia pela metade e quatro elétrons livres, mas ainda não foi demonstrado ser uma alternativa viável por causa do diferente modo como ele reage com outras moléculas. Ver, por exemplo, Raymond Dessy, “Could Silicon be the Basis for Alien Life Forms, just as Carbon in on Earth?” Scientific American (1998),  http://www.sciam.com/article.cfm?id=0004212F-7B73-1C72-9EB7809EC588F2D7 (acessado em 12/28/08).
  3. Heinrich D. Holland, “Evidence for Life on Earth More Than 3850 Million Years Ago,” Science 275, no. 3 (1997): 38-39.
  4. Carl Woese, “The Universal Ancestor,” Proceedings of the National Academy of Sciences 95, no. 12 (1998): 6854-9. Ver também W. Ford Doolittle, “Uprooting the Tree of Life,” Scientific American 282, no. 2 (2000): 90.
  5. Francis Darwin, ed., The Life and Letters of Charles Darwin, Including an Autobiographical Chapter (London: John Murray, 1887), 3:18. Disponível online em Darwin Online, “The Complete Works of Charles Darwin Online,” Darwin Online,  http://darwin-online.org.uk/content/frameset?viewtype=text&itemID=F1452.3&pageseq=1 (acessado em 12/28/08).
  6. Aleksandr I. Oparin, The Origin of Life (New York: Dover, 1952).
  7. Stanley L. Miller, “A Production of Amino Acids under Possible Primitive Earth Conditions,” Science 117 (1953): 528–9.
  8. Juan Oró, "Mechanism of synthesis of adenine from hydrogen cyanide under possible primitive Earth conditions,” Nature 191 (1961): 1193–4.
  9. Michael P. Robertson and Stanley L. Miller, “An Efficient Prebiotic Synthesis of Cytosine and Uracil,” Nature 375 (1995): 772-4.
  10. Adam P. Johnson et al., “The Miller Volcanic Spark Discharge Experiment,” Science 322, no. 5900 (2008): 404. 
  11. Douglas Fox, "Did Life Evolve in Ice?" Discover Magazine (2008), http://discovermagazine.com/2008/feb/did-life-evolve-in-ice/article_view?b_start:int=0&-C= (acessado em 12/20/08), e M. Levy et al, "Prebiotic Synthesis of Adenine and Amino Acids under Europa-like Conditions," Icarus 145, no. 2 (2000): 609–13.
  12. W. Martin and M.J. Russell M.J, “On the Origins of Cells: A Hypothesis for the Evolutionary Transitions from Abiotic Geochemistry to Chemoautotrophic Prokaryotes, and from Prokaryotes to Nucleated Cells,” Philosophical Transactions of the Royal Society: Biological Sciences 358 (2003): 59-85, e Jianghai Li e Timothy M. Kusky, “World's Largest Known Precambrian Fossil Black Smoker Chimneys and Associated Microbial Vent Communities, North China: Implications for Early Life,” Godwana Research 12 (2007): 84-100.
  13. Adam, Zachary, “Actinides and Life's Origins,” Astrobiology 7, no. 6 (2007): 852–872.
  14. Martin M. Hanczyc, Shelly M. Fujikawa e Jack W. Szostak, “Experimental Models of Primitive Cellular Compartments: Encapsulation, Growth, and Division,” Science 302, no. 5654 (2003): 618-622.
  15. Francis Crick, Life Itself: Its Origin and Nature (New York: Simon and Schuster, 1981).
  16. Carl Zimmer, “On the Origin of Life on Earth,” Science 323 (2009), http://www.sciencemag.org/cgi/reprint/323/5911/198.pdf


Tradução: Robson Barbosa da Silva