Quando você liga um rádio em uma frequência definida, o seu aparelho está
captando, para ouvir a sua música preferida de forma lima, uma onda muito
específica. Mas, o que acontece se você sintonizar em outras faixas que não tem
rádio? Ouvirá um ruído. O mesmo acontece com as antigas televisões analógicas
quando está procurando um canal e tem aquela "imagem" de chuvisco. O
que é esse ruído ou essa "imagem"? A maior parte dela vem de um
universo primitivo, de mais de 13 bilhões de anos.
A descoberta da natureza desse ruído dá-se ao acaso. Em 1964 Arno Penzias e Robert
Wilson estavam trabalhando com uma antena e tentaram eliminar um ruído que
vinha de todas as direções, chegando a limpar a antena da sujeira de pombos que
viviam por perto. Sem sucesso e com mais estudos posteriores, em 1978 os dois
levam o Nobel de física pela descoberda da radiação cósmica de fundo em
micro-ondas (ou CMB, do inglês cosmic microwave background).
Como toda onda eletromagnética, a CMB tem uma frequência definida e vem de
todos os lados. Onda eletromagnética, como a gente vê no ensino médio, é uma
onda “composta” de fótons, que são partículas de luz. Cada frequência tem uma
cor (como no caso do espectro visível) e, com isso uma temperatura. Ou seja,
todo corpo emite radiação eletromagnética e a frequência em quê ele emite está
relacionado com sua temperatura.
Fig. 1.
Espectro eletromagnético (extraído de FEUP - PSTFC )
O efeito Doppler
(de se ouvir um som mais agudo quando uma sirene se aproxima e mais grave quando
ela se afasta) também está associado às ondas de luz. E a detecção dessa onda, através
de sua temperatura, nos dá informações das propriedades da fonte de emissão.
Sucedendo o COBE (Cosmic Background Explorer) e o WMAP (Wilkinson
Microwave Anisotropy Probe), a sonda Planck fez um mapa detalhando de cada
flutuação da CMB. Ele é fruto de 15 meses de dados coletados. Após as análises
temos, até o momento, os detalhes mais refinados sobre o universo, envolvendo
sua idade e sua composição.
Fig. 2. Mapa do
universo com base na CMB (extraído de Planck Mission)
Olhando esse mapa,
os pesquisadores da missão Planck tiraram algumas informações precisas, pois já
tínhamos ideia, de sondas anteriores, sobre a composição, idade e a velocidade
de expansão do universo. Só que agora se tem muito mais refino, ou seja, a
precisão é muito maior do que antes.
Sobre a composição do universo: quase ¾ do universo é composto de energia
escura, 27% de matéria escura (não confundir: matéria escura é algo
completamente diferente e distinto, sem relação ou interação com energia
escura) e apenas quase 5% é de matéria ordinária, ou seja, muito menos de 10%
do universo é tudo o que conhecemos, vemos e sentimos, incluindo planetas,
galáxias, aglomerados de galáxias, poeira etc.
Fig. 3.
Composição do universo (extraído de Plank Mission)
A matéria escura seria algo que ainda não sabemos o que é e que interage apenas
gravitacionalmente. Ou seja, não podemos visualizar aglomerados de matéria
escura, mas podemos visualizar efeitos gravitacionais (lentes gravitacionais)
provocados por ela. Por exemplo, no aglomerado de galáxias Abell 1689,
quando se analisa todos os efeitos gravitacionais de todas as galáxias,
observa-se que “falta” mais matéria (bariônica, ou seja, que emite luz; que
seja feita de partículas conhecidas), pois há muita curvatura ou lente
gravitacional mas a quantidade de matéria que se observa não é suficiente para
tal fenômeno. E isso se estende para vários outros casos, como uma estrela que,
na periferia de uma galáxia, deveria ter uma velocidade menor do que uma que está
mais ao centro. No entanto, a velocidade é praticamente a mesma.
Fig. 4.
Aglomerado Abell 1689
Já a energia escura é algo menos intuitivo e mais complicado de se perceber. Em
1998 duas equipes (Supernova Cosmology Project e High-z Supernova
Search Team) observaram que o universo estava se expandindo de forma
acelerada, mas que não há “nada” afastando as galáxias. Por suas análises
usando supernovas (explosões de estrelas que têm um brilho e uma forma de
funcionar bem definidos e conhecidos) e muitas técnicas de física estatística,
chegaram à conclusão de que quando o universo tinha 7,8 bilhões de anos de
idade, começou a se expandir aceleradamente. Em 2011 os representantes das duas
equipes (Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess) ganharam o Nobel de
física por essa descoberta.
Através da lei de Hubble e das análises do magnífico mapa feito pelo Planck, a
constante de Hubble foi mais bem aproximada: 67,3 Km/s/Mpc, ou seja, a expansão
do universo está a 67,3 Km por segundo a cada um megaparsec de distância (1
parsec = 3,26 anos-luz e 1 ano-luz = 9,46 trilhões de Km, considerando a
velocidade da luz como de 299.792.458 m/s). Usando a mesma lei de Hubble e
outras informações a mais do mapa, temos uma idade muito mais aproximada para o
universo: 13,8 bilhões de anos.
Além do mais, com esse mapa, foi obtido um suporte mais firme para a inflação,
que foi um período muito curto de tempo, no início do universo, onde ele
literalmente se inflacionou, ou seja, seu crescimento deu-se a taxas de 1029;
em um tempo muito curto, um volume de um metro cresceu até
10.000.000.000.000.000.000.000.000.000 metros em cada lugar do universo (que
estava “nascendo”).
É incrível como de uma “simples” observação de um aparelho podemos tirar tantas
informações acerca do universo. Usando a relatividade geral e várias outras
teorias, que têm fortes fundamentos observacionais e experimentais, podemos
construir toda a história do universo até nossos dias.
Fig. 5. A
história do universo (extraído de Plank Mission)
Para mais detalhes
sobre esse assunto há vários livros muito bons:
* Introduction to cosmology, de Barbara Ryden
(editora Addison Wesley)
* Introduction to cosmology, de Matt Roo
(editora Wiley)
* An introduction to the science of cosmology, de
Derek Raine e Ted Thomas (editora IoP)
* Gravity: an introduction to Einstein’s General
Relativity, de James Hartle (editora Pearson Education)
Outras boas
fontes:
* Sobre Arno Penzias, uma biografia (do Nobel): http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1978/penzias-bio.html
* A palestra ao Nobel do Penzias: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1978/penzias-lecture.pdf
* Sobre Robert Wilson (do Nobel): http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1978/wilson-bio.html
* A palestra ao Nobel do Wilson: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1978/wilson-lecture.pdf