Um dia recebi uma chamada
telefônica de um professor de filosofia de uma faculdade religiosa próxima. Ele
tinha acabado de voltar de uma conferência internacional sobre os desafios à
biologia evolutiva por parte da teoria do design inteligente (DI). Havia certa
urgência no tom do professor, então concordei em encontrá-lo. Ocorre que ele
tinha uma queixa a fazer, pois abriu nosso encontro me fazendo uma série de
perguntas: onde estão os tomistas? Onde estão os católicos? Por que você não
está lá fora defendendo a nós, que advogamos o DI? Afinal, estamos do mesmo
lado ou não? Ele explicou que os organizadores da conferência convidaram vários
tomistas para participar, e ele ficou consternado com o fato de que, longe de
expressar simpatia com o movimento do DI e seu desafio ao darwinismo, eles eram
bastante críticos em relação ao mesmo movimento. Talvez se sentindo um pouco
traído, ele queria perguntar a mim, um tomista, o que estava acontecendo.
Desde o tempo de Charles Darwin
tem havido vigoroso debate entre criacionistas cristãos e evolucionistas
darwinistas. Nenhum dos lados tem estado especialmente interessado no que
tomistas católicos – uma minoria, com certeza – podem contribuir para a
discussão. Na medida em que filósofos trabalhando na tradição tomista são
levados em conta, ambos os lados parecem insatisfeitos. Darwinistas seculares
frequentemente veem os tomistas como apenas outro tipo de literalistas tentando
substituir a boa biologia pelo livro de Gênesis. Por outro lado, os
criacionistas protestantes frequentemente têm visto os tomistas como já a meio
caminho do secularismo e naturalismo, dependendo muito pouco de uma leitura
literal das Escrituras e demais do raciocínio filosófico.
Agora, os defensores do DI têm
revivido o debate com a biologia evolutiva sobre bases científicas. Este novo
desafio ao darwinismo tenta mostrar que a evidência biológica dá menos suporte
à evolução gradual das espécies do que à criação direta por um Designer divino.
Dada a sofisticação filosófica de seus argumentos, é talvez natural que os
teóricos do DI assumam que eles tenham aliados entre os tomistas tradicionais
que são conhecidos por sua defesa sistemática da doutrina da criação.
Contudo,
como meu amigo descobriu, o movimento do DI não tem sido, em geral, bem
recebido nos círculos tomistas. Assim, a questão é: por que não? Por que os
tomistas, que compartilham muitas das mesmas preocupações acerca da
secularização de nossa sociedade, não têm sido mais solidários? Por que tantos
tomistas têm hesitado em se unir aos teóricos do DI em sua campanha contra o
darwinismo? Por que alguns tomistas parecem mesmo um pouco hostis ao projeto do
DI?
Um
pouco de atenção na filosofia tomista da criação pode ajudar a responder estas
questões. Mas importante, investigar a frieza do tomismo em relação à teoria do
design inteligente pode ajudar a tirar o debate de seu estado polarizado
“evolução x criação” para uma discussão que é mais produtiva filosoficamente.
Uma olhada no entendimento tomista do relacionamento de Deus com a natureza
pode, mesmo, sugerir uma terceira alternativa para as já conhecidas posições
dos darwinistas e teóricos do DI.
Uma crise anterior sobre a
criação
No
período em que Tomás de Aquino viveu, ocorria uma revolução científica que
desafiou seriamente a doutrina cristã tradicional da criação. Desde a época da
Igreja primitiva, os cristãos ortodoxos têm sustentado que o universo fora
criado por um Deus transcendente que é totalmente responsável pela existência
daquele e de tudo que ele contém. Este é um ensino que os cristãos herdaram dos
judeus e compartilharam com os de fé islâmica.
No começo do século XIII,
contudo, uma grande mudança histórica ocorreu na Europa Ocidental, conforme as
obras dos antigos filósofos naturais e matemáticos gregos tornaram-se
disponíveis em latim pela primeira vez. Especialmente importantes foram os
trabalhos de Aristóteles, que elaborou os princípios básicos da natureza e
desenvolveu uma metodologia de pesquisa científica que prometia, com o tempo,
desvendar os segredos do universo.
Esta revolução científica causou
grande entusiasmo entre os acadêmicos falantes do latim nas então novas
universidades europeias. Eles pesquisaram avidamente em muitas das ciências
naturais e, essencialmente, fundaram a tradição histórica das ciências
experimentais que continua até hoje. Não demorou muito para que houvesse
progresso em áreas como astronomia matemática, óptica, meteorologia, botânica,
zoologia e outras ciências.
Ao
mesmo tempo, a nova ciência era motivo de preocupações, pois alguns teólogos
viram nela um desafio para a doutrina da criação. Especificamente, os
naturalistas gregos sustentavam que “algo não pode vir do nada”. De fato, os
filósofos gregos utilizavam seu princípio fundamental como base para afirmar
que o universo é eterno: Não pode haver nem um primeiro nem um último
movimento. Pareceu para os contemporâneos de Tomás de Aquino que tal ideia era
incompatível com a doutrina da criação ex
nihilo.
Neste debate medieval aparece Aquino, o qual
raciocinou assim: Deus é o autor de toda verdade; o objetivo da pesquisa
científica é a verdade; portanto, não pode haver nenhuma incompatibilidade
fundamental entre os dois. Desde que entendamos a doutrina cristã
apropriadamente e façamos bem nossa ciência, acharemos a verdade.
Contudo,
o que dizer do aparente conflito entre a noção de criação a partir do nada e o
princípio científico de que para todo movimento ou estado natural existe um
movimento ou estado antecedente? Ver um conflito aqui, diz Aquino, é resultado
de uma confusão em relação à natureza da criação e da mudança natural. É um
erro que pode ser chamado de “falácia cosmogónica”.
Do nada
Aquino
argumentou que tal erro foi distinguir entre causa no sentido de uma mudança natural de certo tipo e causa no sentido de um trazer à
existência último algo a partir de nenhum estado antecedente. Creatio non
est mutatio, diz Aquino: o ato de criação não é mudança de algum tipo.
Os filósofos naturais gregos estavam bastante
corretos em dizer que do nada, nada vem. Mas por “vir” eles queriam dizer uma
mudança de um estado para outro, a qual requer alguma realidade material
subjacente. Ela também requer alguma possibilidade pré-existente para esta
mudança, uma possibilidade que reside em alguma coisa.
A criação, por outro lado, é o causar radical da
existência inteira de tudo o que existe. Ser a causa completa da existência de
algo não é o mesmo que produzir uma mudança em algo. Não é uma questão de tomar
algo e transforma-lo em outra coisa, como se houvesse alguma matéria primordial
a qual Deus utilizara para criar o universo. Em vez disto, a criação é o
resultado da agência divina sendo totalmente responsável pela produção,
repentina e completamente, da totalidade do universo, com todas as suas entidades
e operações, de absolutamente nada pré-existente.
Estritamente falando, pontua Aquino, o Criador não
cria algo do nada no sentido de tomar algum “nada” e fazer algo deste. Isto é um
erro conceitual, porque trata “nada” como alguma coisa. Pelo contrário, a
doutrina cristã da criação ex nihilo
afirma que Deus fez o universo sem fazer ele de qualquer outra coisa. Em outras
palavras, qualquer coisa deixada inteiramente por si mesma, completamente
separada da causa de sua existência, não existiria – ela seria absolutamente
nada. A causa última da existência de qualquer coisa e todas as coisas é Deus
Criador – não de algum nada, mas simplesmente do nada.
Olhando desta maneira, a nova ciência do século
XIII, da qual nossa ciência moderna se desenvolveu, não era uma ameaça para a tradicional
doutrina cristã da criação. Conhecer as causas naturais dos entes naturais é
algo diferente de saber que todos os entes e operações naturais dependem
radicalmente da causa última da existência de todas as coisas: Deus o criador.
Criação não é mudança. Criação é uma causa, mas de um muito diferente (de fato,
único) tipo. Só evitando a falácia cosmogônica alguém é capaz de entender
corretamente a doutrina cristã da criação ex
nihilo.
Tome o hipopótamo, por exemplo
Duas implicações desta distinção
entre mudança e criação são dignas de nota aqui. Uma é que Deus criou sem gastar
tempo para criar: Ele cria eternamente. Criação não é um processo com um
começo, um meio e um fim. É, simplesmente, uma realidade: a realidade da
completa dependência do universo da agência de Deus. A outra implicação é a
radical alteridade da agência de Deus. A causalidade produtiva de Deus é
diferente daquela de qualquer causa natural, porque Deus não apenas produz o
que ele produz de repente, sem qualquer processo, mas também sem requerer
qualquer coisa pré-existente ou quaisquer pré-condições. Deus não age como
parte de um processo, nem inicia um processo onde não havia nenhum antes. Não
existe antes algum para Deus; não existe
nenhum estado pré-existente do qual a ação de Deus procede. Deus é total e
imediatamente presente como causa de todos e de quaisquer processos.
Com base
nestas implicações para o correto entendimento da criação, os tomistas fazem
distinção entre a existência e as operações dos entes naturais. Deus causa a
existência dos entes naturais de um modo tal que eles sejam os agentes de suas
próprias operações. De fato, se este não fosse o caso, então Deus não teria
criado este ente natural, mas outro.
O salmão nada corrente acima para desovar. Ao criar o salmão, Deus criou um
peixe que se reproduz deste modo. Se
Deus criou o salmão sem sua agência reprodutiva natural, então ele não criou o
salmão, mas outra coisa.
Considere
outro exemplo: um grande mamífero quadrúpede, como o hipopótamo, dá a luz a
seus filhotes. Como? Bem, poderíamos responder dizendo que “Deus faz isto”. No
entanto, isto poderia, apenas, significar que Deus criou o hipopótamo – de
fato, a ordem dos mamíferos[1] – com a morfologia, composição genética, etc., que são as causas de o mesmo
animal dar a luz. Deus não “interfere” nas operações normais do hipopótamo para
causar sua procriação. Se alguém pensar “Deus faz isso”, significando que Deus
intervém na natureza dessa maneira, este alguém seria culpado da Falácia
Cosmogônica.
Agora, se
esta distinção entre o ser de algo e suas operações é correta, então a natureza
e suas operações são independentes no sentido de que a natureza opera conforme
o seu modo de ser, não porque algo externo esteja atuando nela. Deus não age na
natureza da maneira que um ser humano pode agir em um artefato para
modificá-lo. Em vez disto, Deus causa os entes naturais para que sejam de tal
modo que operem de acordo com suas naturezas. Os hipopótamos dão a luz porque
este é o tipo de coisa que eles são. Por que existem coisas como hipopótamos?
Bem, a natureza os produziu de algum modo. De que modo a natureza os produziu e
por que a natureza produz as coisas desse modo? É porque Deus fez a totalidade
da natureza operar desta maneira e produzir por sua própria agência o que ela
produz. Assim, Deus permanece completamente responsável pelo ser e operações de
todas as coisas, mesmo que os entes naturais possuam agência real, de acordo
com o modo segundo o qual foram criados.
“Deus das lacunas”
À luz deste esboço do relato
tomista da criação e causa natural, alguém pode, talvez, entender a relutância
dos tomistas contemporâneos em se apressar em defender os teóricos do DI.
Parece que a teoria do DI está baseada na falácia cosmogônica. Muitos que se
opõem ao relato darwinista padrão da evolução biológica identificam criação com
intervenção divina na natureza. Isto é porque muitos estão preocupados demais
com descontinuidades na natureza, tais como as descontinuidades no registro
fóssil. Eles veem nelas evidências da ação divina no mundo, com o fundamento de
que tais descontinuidades só poderiam ser explicadas pela ação divina direta.
Esta insistência de que a criação deva significar que Deus tem periodicamente
produzido formas de vida novas e distintas é confusão do fato da criação com a
maneira ou modo de desenvolvimento dos entes naturais no universo. Esta é a falácia cosmogônica.
Entre as tentativas mais sofisticadas dos teóricos
do DI de opor-se à explicação darwiniana para a formação dos organismos está o
argumento da complexidade irredutível, do bioquímico Michael Behe. Ele
argumenta que existem formas de vida específicas e subsistemas bióticos que são
irredutivelmente complexos e que não poderiam surgir por meio da seleção
natural. Sistemas e formas irredutivelmente complexas revelam design
inteligente na natureza e, portanto, indicam a realidade de um projetista
inteligente do universo.
Os teóricos do DI ficam, amiúde,
perplexos – até um pouco desconsertados – de os tomistas não reconhecerem o
peso do argumento de Behe. Afinal de contas, os tomistas são bastante abertos
para a noção de que a criação provê evidência para a existência do Criador – os
argumentos cosmológicos para a existência de Deus baseados na ordem e operação
da natureza têm, há muito tempo, sido domínio especial dos tomistas.
Por que, então, os tomistas não estão entre os mais
ardentes defensores de Behe? Primeiramente, os tomistas concordariam com muitos
biólogos que têm apontado que as alegações de complexidade irredutível de Behe
falham em distinguir entre a ausência de uma explicação natural da origem de
certos sistemas complexos e o juízo de que tal explicação é, em princípio,
impossível. Os tomistas, contudo, iriam ainda mais longe que a maioria dos
biólogos ao identificar a primeira alegação como relacionada ao conhecimento
humano e a segunda como uma afirmação ontológica concernente ao que existe.
Agora, um tomista pode concordar
com a alegação de Behe sobre o conhecimento, no sentido que nenhuma tentativa
atual ou previsível de explicação para certas complexidades biológicas seja
satisfatória. Contudo, um tomista rejeitará a afirmação ontológica de Behe de
que tal explicação não possa sequer ser dada em termos das operações da
natureza. Esta alegação ontológica depende de uma visão “Deus das lacunas” da
agência divina. Esta é a visão de que a natureza, como Deus a criou
originalmente, contêm lacunas ou omissões que requerem que Deus as preencha ou
repare posteriormente. Dado o entendimento tomista da agência divina, tal visão
“Deus das lacunas” é claramente inconsistente com uma concepção apropriada da
natureza da criação e, portanto, é uma falácia cosmogônica.
Sem ordem, sem ciência
Começando com os insights de
Tomás de Aquino, os tomistas podem mostrar que a ordem e design evidentes na
natureza são, precisamente, aquilo que possibilita a ciência natural. Se a
natureza não fosse ordenada, então não existiria uma razão para que as coisas
naturais fossem do modo que as observamos. Descobrir tais razões ou causas é
propósito da ciência natural. Sem ordem e design na natureza, então, não
poderia existir ciência natural. Assim, os seguidores de Darwin que argumentam
que a teoria evolutiva remove toda necessidade de postular um projeto na
natureza são inconsistentes. Presumivelmente, eles o afirmam com base na
ciência natural a qual, se sua alegação for verdadeira, é impossível.
Ademais, como Aquino argumentou na Summa
Theologiae, muitos séculos atrás,
a presença de acaso e contingência na natureza mostra que a natureza requer um
Criador divino para existir (I:2:3). Novamente, os darwinistas, os quais
atribuem tanto peso ao papel do acaso na natureza, são inconsistentes ao negar
a criação da natureza. Assim, o tomismo provê uma resposta convincente ao
desafio secular de uma teoria evolutiva proposta como alternativa à doutrina da
criação. Espécies observadas de plantas e animais podem ou não ser descendentes
de ancestrais comuns primordiais. Se eles são, então isto só é porque Deus os
criou para ser assim, e sua ancestralidade evolutiva comum é parte de seu
projeto divino.
Os insights de Aquino também proveem uma resposta
ao recente desafio à evolução darwiniana por parte da teoria do DI. A criação
de Deus do mundo a partir do nada não é o mesmo que uma causa natural. Diferentemente
das causas operando na natureza, o ato de Deus na criação é uma realidade
completamente não temporal e não progressiva. Deus não intervém na natureza,
nem ajusta ou “conserta” as coisas naturais. Deus é a divina realidade sem a
qual nenhuma outra realidade poderia existir. Assim, a evidência da dependência
última da natureza de Deus como Criador não pode ser a ausência de uma
explicação causal natural para alguma estrutura natural em particular. Nossa
ciência atual pode ou não ser capaz de explicar qualquer dada característica de
organismos vivos, ainda que exista alguma causa explicativa na natureza. O mais
complexo dos organismos tem uma explicação natural, mesmo que nós não a conheçamos
agora ou talvez nunca venhamos a conhecer.
A causa última de todas as coisas
Contudo, a evidência para a
criação de Deus do universo natural é o fato conhecido – um fato que conhecemos
com base em nossas pesquisas científicas – de que as coisas naturais são
inteligíveis. Se elas são inteligíveis, elas assim o são como produtos da
natureza – isto é, elas são inteligíveis em termos de suas causas naturais. Se
isto é verdade para a totalidade das coisas naturais, então deve existir alguma
causa última para o ser de todas e quaisquer coisas naturais.
Esta fonte última do ser e inteligibilidade da
natureza não pode ser, contudo, outra coisa natural. Ela deve ser algo de fora
da natureza que tenha o poder de produzir a totalidade da natureza e não
requeira ela mesma uma causa. Ambas a existência e ordem inteligível do
universo natural, portanto, mostram que ele existe devido a uma causa última:
Deus o Criador.
Mas mostrar que a contingência e dependência da
natureza requerem Deus como causa última desta não é argumentar pela existência
de outra causa natural dentro da natureza. Em contraste, articular os detalhes de
como a natureza que Deus criou opera é a tarefa das ciências naturais. Assim, o
tomismo provê um corretivo para os teóricos do DI que alegam que a ausência de
certos tipos de explicação na ciência natural mostra a necessidade de
intervenção divina na natureza como um substituto para a causa natural. De
acordo com o tomismo, Deus é, de fato, o autor da natureza, mas como sua causa
última transcendente. Não como uma causa natural ao lado de outras causas
naturais.
O poder corretivo de Tomás de
Aquino
Ambos, o darwinismo, com seu
desafio secular à unidade de fé e razão, bem como a tentativa dos teóricos do
DI de refutar a teoria evolutiva justificam a escolha, por parte do Papa Leão,
de Aquino como o modelo para intelectuais católicos (ver abaixo “A fé católica
e a ciência moderna”). O tomismo tem algo útil e corretivo para falar a ambos
os lados do debate. Ao mesmo tempo, o tomismo não substitui as ciências
naturais, ou talvez, expressando melhor, uma síntese intelectual tomista inclui
precisamente o tipo de pesquisa encontrada nas ciências naturais modernas, as
quais têm produzido tanto conhecimento acerca da natureza. Na visão tomista, os
ensinamentos da fé são totalmente compatíveis com o que aprendemos da natureza através
da pesquisa científica, desde que entendamos os ensinamentos divinos
corretamente e façamos nossas pesquisas consistente e rigorosamente. A verdade
ou falsidade da afirmação de que a diversidade das espécies vivas é devida a
algum tipo de processo evolutivo é uma questão a ser estabelecida através de
pesquisa biológica. Qualquer que seja o resultado desta pesquisa, ele nunca
poderá substituir a necessidade de explicar a existência do mundo natural em
termos de uma criação ex nihilo e de
acordo com o projeto divino.
Claramente, as afirmações seculares associadas com
o darwinismo moderno requerem o tipo de corretivo proporcionado pelo tomismo.
Isto significa, então, que os católicos deveriam se associar aos defensores do
DI? Na medida em que a teoria do design inteligente representa uma visão de
“Deus das lacunas”, ela é inconsistente com a tradição intelectual católica. Graças
aos insights de Tomás de Aquino e seus muitos seguidores através do tempo, os
católicos tem disponíveis para si um entendimento da criação mais claro e mais
consistente. Se os católicos se valerem desta tradição tomista para si mesmos,
eles não terão necessidade de lançar mão de argumentos “Deus das lacunas” para
defender os ensinamentos da fé. Eles também terão uma compreensão mais completa
e harmoniosa da relação da fé católica com a razão científica.
SUPLEMENTOS
O que é “design inteligente”?
O
movimento do design inteligente ganhou adeptos através de todo o mundo cristão,
especialmente entre os protestantes evangélicos. O que é distintivo acerca dele
é que o mesmo não rejeita a teoria evolutiva simplesmente em bases religiosas,
mas ensaia uma crítica científica. Os teóricos do DI sustentam que a evidência
empírica mostra que existem formas biológicas na natureza que não podem ser
explicadas em termos de qualquer processo evolutivo. Em vez disto, eles
argumentam que tais formas só podem ser explicadas postulando um projetista
divino que faz com que a forma exista. Para muitos cristãos, a teoria do design
inteligente parece ser um potente desafio à cosmovisão materialista e secular
que domina a ciência moderna.
Leitura adicional
Existe
um crescente corpo de literatura sobre a teoria do design inteligente. Consulte
as bibliografias disponíveis no site do Discovery Institute (www.discovery.org) para obter uma lista de
títulos.
Para
respostas tomistas ao design inteligente:
- Aquinas on Creation, tr. Steven E. Baldner e William E. Carroll
(Pontifical Institute of Medieval Studies, 1997)
- William E. Carroll, "Creation, Evolution,
and Thomas Aquinas," Revue des Questions Scientifiques 171
(2000): 319-47
- Marie I. George, "On Attempts to Salvage
Paley’s Argument from Design," in Science, Philosophy, and
Theology, ed. John
O’Callaghan (St. Augustine’s Press, 2008)
Fé católica e ciência moderna
Em 1879, a Igreja Católica
enfrentava uma crise intelectual. Por
séculos, o ensino superior e a vida intelectual católicos estavam centralizados
nas grandes universidades europeias. Durante a Revolução Francesa, contudo,
muitas destas universidades foram fechadas. Nas décadas que se seguiram, novas
universidades foram estabelecidas, a maior parte das quais diretamente sob
patrocínio estatal. Estas novas instituições de aprendizagem eram, geralmente,
seculares em sua orientação e apresentavam um sério desafio à antiga ordem
intelectual e moral. Um aspecto especialmente importante deste desafio era a
ideia de que o grande avanço científico da época se tornara possível
precisamente porque a atividade intelectual teria sido dissociada da Igreja.
Para muitos nas novas universidades, ciência e progresso humano pareciam estar
em guerra com a mais antiga visão cristã da realidade.
Entre as novas visões científicas da época que,
pensava-se, desafiava seriamente o cristianismo, estava a teoria de Charles
Darwin de descendência evolutiva das espécies por meio da seleção natural. Sua
concepção de como as forças elementares da natureza geraram os complexos
conjuntos orgânicos que observamos no mundo das coisas vivas parecia a muitos
estar em oposição ao ensino cristão de que Deus criara o universo de acordo com
seu desígnio divino. Darwin parecia ter descoberto o mecanismo – a seleção
natural – pelo qual as pressões ambientais permitem certas formas orgânicas, as
quais surgem por acaso, sobreviver melhor que seus competidores e proliferarem.
O que parecia ser projetado e tornado necessário por Deus é, realmente, o
resultado, de ocorrências aleatórias associadas a oportunidades ambientais.
Enquanto outrora a doutrina tradicional da criação por um Deus benevolente parecia
razoável, agora tal visão afigurava-se como não científica.
A teoria da evolução de Darwin sugeria que o mais
alto bem da coisa viva não é a perfeição do indivíduo dentro de sua espécie de
acordo com o desígnio divino, mas a simples sobrevivência. Como o mínimo
denominador comum da natureza, a sobrevivência veio a representar o bem para o
qual a evolução progredia – um bem que era, meramente, material e sem qualquer
origem divina. Mais tarde, alguns defensores da evolução vieram a considerar
que mesmo este bem material era similar demais ao design e sustentaram que a
evolução não teria objetivo algum – que ela é simplesmente mudança constante e
sem direção. O ateu Richard Dawkins, por exemplo, argumenta que a moderna
biologia evolutiva prova que o universo “tem precisamente as propriedades que
deveríamos esperar se não existir, no fundo, nenhum design, nenhum propósito,
nenhum mal e nenhum bem; nada além de cega e impiedosa indiferença” (River
Out of Eden, ch. 4 [O Rio que Saia do
Éden, cap. 4]). Se a secularização geral da aprendizagem fez a separação
entre fé e ciência parecer possível, a teoria da evolução biológica de Darwin
fê-la parecer necessária.
Em face deste desafio, o Papa Leão XIII percebeu
que algo precisava ser feito para restaurar a vida intelectual católica e seu
testemunho das verdades da fé. Assim, em 1879, ele publicou a encíclica Aeterni
Patris, na qual reafirmava um princípio central da tradição intelectual
católica: a harmonia entre fé e razão. Os ensinamentos da fé são revelação da
verdade de Deus: a ciência, o produto da razão humana, é a busca pela verdade.
A verdadeira fé, portanto, não pode se opor à boa ciência porque a verdade é
objeto de ambas. A visão secular que veio dominar a moderna vida intelectual
era um erro: a fé não é oposta à razão, e a moderna ciência secular não é
substituta da antiga fé ensinada pela Igreja. Fé e razão podem, é claro, parecer opostas. Contudo isto só pode
ocorrer se ou não compreendermos corretamente o que Deus nos revela ou se
cometermos erros em nossa pesquisa científica. Se, por outro lado, entendermos
claramente a revelação divina e formos cuidadosos e rigorosos em nossa ciência,
então conheceremos a verdade – não uma verdade religiosa e outra verdade
científica, mas a verdade – o modo
como a realidade é, de fato.
Percebendo que a exortação para unificar fé e razão
seria melhor apoiada por um exemplo, o Papa Leão providenciou um: o teólogo
medieval Santo Tomás de Aquino. Se tomássemos Santo Tomás como nosso modelo e
inspiração, nós teríamos um bom fundamento sobre o qual poderíamos reconstruir
a vida intelectual católica em face do novo desafio secular. Nos quase 130 anos
desde o lançamento da Aeterni Patris, um movimento intelectual católico moderno foi, de fato, estabelecido
e, seguindo a liderança do Papa Leão, sua característica proeminente foi um
tomismo que busca aplicar os insights perenes de Aquino aos problemas da
ciência e cultura modernas.
Artigo de Michael W. Tkacz (professor associado de filosofia na Gonzaga University) postado
em 01/11/2008 (original aqui). Tradução: Robson Barbosa da Silva.