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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A evolução sob a ótica de Thomas C. Oden...

Trecho da Systematic Theology de Thomas C. Oden... 

As doutrinas cristãs clássicas da criação não necessariamente contradizem uma evolução, ou a possibilidade de um desenvolvimento evolucionário da natureza e história. A matéria é criada ex nihilo em sentido primário, trazida à existência por Deus, mas se desenvolvendo de modo emergente através de causas secundárias. Isto é, através dos processos naturais de causalidade ela pode passar por seus próprios desenvolvimentos (Tomás de Aquino, ST I Q103-6, I, pp. 505-24; cf. Ireneu, Ag. Her. IV. 37 ff., ANF I, pp. 518 ff. Orígenes, De Princip. III.5.4 ff., ANF IV, pp. 342 ff.). Tudo foi criado do nada, mas uma vez que algo é criado do nada, então algo mais pode, no devido tempo, ser criado a partir das condições predominantes. Deus continua a criar algo de todo tipo de coisa. Alguém pode postular um processo evolucionário gradual, que não é uma negação da criação (cf. Tertuliano, Ag. Hermogenes XXIX, The Gradual Development of Cosmical Order, ANF III, pp. 493, 494).

A criação não é estabelecida sem um seguro sistema de causalidade, causas secundárias na natureza e ordem natural (Calvino, Inst. 1.16.7). Tudo que acontece na criação depende do Criador, mas secundariamente depende de causas naturais permitidas e sustentadas pelo Criador. Isto é por que existe um uni-verso em vez de um mundo "cabeça-de-hidra" de muitos multi-versos: toda causalidade é mantida em interdependência mútua pelo Criador (João Crisóstomo, Concerning the Statues, hom. X.9-12, NPNF 1 IX, pp. 410-12). Este assunto será  mais deliberadamente aprofundado na discussão sobre providência.

Deus não está sob uma exigência externa para continuar re-criando a cada momento. Isto não é necessário, porque pela providência de Deus e através de ordens de causas secundárias, o universo trabalha de acordo com as confiáveis leis naturais estabelecidas por Deus. Estas causas secundárias são a própria boa criação de Deus, e capacitadas através da graça por meio da Palavra em quem "tudo subsiste" (Cl 1.17) e que "sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder" (Hb 1.3). Leis naturais, tais como as que governam a termodinâmica, são seguramente estabelecidas a fim de que possamos ter espaço, uma história humana e um contexto cosmológico através dos quais Deus pode fazer sua graça e misericórdia conhecidas para nós.

No século XIX, panteísmos evolucionários desafiaram o ensino cristão clássico da criação. Muitos alegavam que o Criador necessita do mundo, deve  ter um mundo e que o mundo é tão necessário para Deus quanto Deus é para o mundo. Alguém que aceite este panteísmo deve dar muitos passos atrás para revisar as afirmações clássicas sobre a liberdade e poder do Deus todo-poderoso. Foi só no século XIX, quando a noção de evolução universal capturou a imaginação popular, que esta ideia começou a ser largamente postulada - que um processo histórico, autonomamente concebido, é absoluto (Hegel, Reason in History; cf. Wesley, WJW XIII, pp. 448-55). Os rudimentos do pensamento do processo residem em Hegel, que argumentava que no processo evolucionário histórico-mundial, Deus é postulado como relacionado ao processo como a mente é relacionada ao corpo (cf. Hartshorne, God as Social Process; contudo, Hartshorne negligenciou sistematicamente a Hegel; cf. Hartshorne e Reese, PSG). Uma pessoa finita não pode ter mente sem um corpo. A analogia vê o mundo como necessário a Deus - não necessariamente este mundo, mas algum mundo.

Exegetas cristãos clássicos, pelo contrário, tem insistido que o mundo é só consequentemente necessário, não absolutamente necessário, para Deus, isto é, como uma consequência da vontade divina de se auto-revelar. Não existiria nenhuma liberdade em Deus se Deus é de fato uma parte necessária ou apêndice do universo. A criação é uma livre decisão e uma livre dádiva de Deus, o qual não coagido por qualquer necessidade externa (Gregório de Nissa, Ag. Eunomius VIII.5, NPNF 2 V, pp. 205-10). Deus é livre para criar este ou algum outro mundo - ou mundo nenhum. O ensino cristão continuamente rejeita ambos emanantismos: a noção de que o mundo físico emana do ser de Deus, e um idealismo evolucionário que sustente que a criação está progressivamente procedendo de si própria separada de Deus como criador.

O ensino cristão da criação tem, algumas vezes, distinguido entre a origem primordial ou imediata do ser, seguido por e distinto de seu ordenamento e desenvolvimento. Semelhante distinção está implícita em Genesis 1, no qual Deus chamou o mundo à existência e então, subsequentemente, ordenou-o; Deus chamou as águas e a terra à existência e só então organizou-os com "ervas que deem sementes e árvores frutíferas que deem frutos" (Gn 1.11). Tal desenvolvimento pode ser visto como implicitamente análogo ao desenvolvimento evolucionário, o qual se presta a leis confiáveis de desenvolvimento evolutivo, de modo que a investigação científica pode avançar nas várias etapas da história natural. "A ciência garante julgamento correto sobre as criaturas. Sua desvantagem é que elas são ocasiões para nos desviarmos de Deus. Consequentemente, o dom da ciência corresponde à terceira bem-aventurança: 'Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados' "* (Mt 5.5**; Tomás de Aquino, ST IIa-IIae Q9.4, TAPT, pp. 128, 129).

A evolução, deste modo, pressupõe uma involução*** na qual Deus permite às criaturas possuírem capacidades inatas, potencialidades naturais ou poderes residentes através dos quais o desenvolvimento natural e histórico pode ocorrer. Não existe ensino sadio sobre o poder de Deus que deseje reservar todas as causas possíveis ao mesmo, apenas, bem como eliminar todas as causas naturais. Tal coisa seria onicausalidade em vez de onipotência. A liberdade de Deus para permitir a colaboração dos seres criados revela maior poder que uma hipotética liberdade divina que seria diminuída por permitir tal relação, e Deus tendo que fazer tudo diretamente sem o auxílio de outros poderes. Se a causalidade divina permite, capacita e provê a causalidade natural, então a causalidade natural pode ser assunto para estudo científico. O que nós podemos ver objetivamente deste desenvolvimento, contudo, dificilmente é sua totalidade. Nossa perspectiva é extremamente limitada, presa ao tempo e à cultura. A auto-revelação de Deus na história capacita à fé entender que o desenvolvimento da história natural é muito maior do que possamos imaginar, e que a mesma não se dá sem a sustentadora supervisão, direção e governo de Deus sobre seu todo (cf. Gregório de Nissa, On the Soul and the Ressurrection, NPNF 2 V, pp. 458, 459).


* Não ficou claro o que o autor quis dizer aqui (nota do tradutor).
** A bem-aventurança em questão é a segunda e o trecho é Mt 5.4 (idem).

*** Segundo parece, "involução", aqui, quer dizer um movimento da divindade pelo qual esta se auto-limita visando possibilitar o desenvolvimento da criação (idem). 


Original em The Living God: Systematic Theology; Volume um, p. 265-267. Tradução: Robson Barbosa da Silva