Páginas

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Tomás de Aquino vs Design Inteligente




Um dia recebi uma chamada telefônica de um professor de filosofia de uma faculdade religiosa próxima. Ele tinha acabado de voltar de uma conferência internacional sobre os desafios à biologia evolutiva por parte da teoria do design inteligente (DI). Havia certa urgência no tom do professor, então concordei em encontrá-lo. Ocorre que ele tinha uma queixa a fazer, pois abriu nosso encontro me fazendo uma série de perguntas: onde estão os tomistas? Onde estão os católicos? Por que você não está lá fora defendendo a nós, que advogamos o DI? Afinal, estamos do mesmo lado ou não? Ele explicou que os organizadores da conferência convidaram vários tomistas para participar, e ele ficou consternado com o fato de que, longe de expressar simpatia com o movimento do DI e seu desafio ao darwinismo, eles eram bastante críticos em relação ao mesmo movimento. Talvez se sentindo um pouco traído, ele queria perguntar a mim, um tomista, o que estava acontecendo.

            Desde o tempo de Charles Darwin tem havido vigoroso debate entre criacionistas cristãos e evolucionistas darwinistas. Nenhum dos lados tem estado especialmente interessado no que tomistas católicos – uma minoria, com certeza – podem contribuir para a discussão. Na medida em que filósofos trabalhando na tradição tomista são levados em conta, ambos os lados parecem insatisfeitos. Darwinistas seculares frequentemente veem os tomistas como apenas outro tipo de literalistas tentando substituir a boa biologia pelo livro de Gênesis. Por outro lado, os criacionistas protestantes frequentemente têm visto os tomistas como já a meio caminho do secularismo e naturalismo, dependendo muito pouco de uma leitura literal das Escrituras e demais do raciocínio filosófico.

            Agora, os defensores do DI têm revivido o debate com a biologia evolutiva sobre bases científicas. Este novo desafio ao darwinismo tenta mostrar que a evidência biológica dá menos suporte à evolução gradual das espécies do que à criação direta por um Designer divino. Dada a sofisticação filosófica de seus argumentos, é talvez natural que os teóricos do DI assumam que eles tenham aliados entre os tomistas tradicionais que são conhecidos por sua defesa sistemática da doutrina da criação.

            Contudo, como meu amigo descobriu, o movimento do DI não tem sido, em geral, bem recebido nos círculos tomistas. Assim, a questão é: por que não? Por que os tomistas, que compartilham muitas das mesmas preocupações acerca da secularização de nossa sociedade, não têm sido mais solidários? Por que tantos tomistas têm hesitado em se unir aos teóricos do DI em sua campanha contra o darwinismo? Por que alguns tomistas parecem mesmo um pouco hostis ao projeto do DI?

            Um pouco de atenção na filosofia tomista da criação pode ajudar a responder estas questões. Mas importante, investigar a frieza do tomismo em relação à teoria do design inteligente pode ajudar a tirar o debate de seu estado polarizado “evolução x criação” para uma discussão que é mais produtiva filosoficamente. Uma olhada no entendimento tomista do relacionamento de Deus com a natureza pode, mesmo, sugerir uma terceira alternativa para as já conhecidas posições dos darwinistas e teóricos do DI.

Uma crise anterior sobre a criação

            No período em que Tomás de Aquino viveu, ocorria uma revolução científica que desafiou seriamente a doutrina cristã tradicional da criação. Desde a época da Igreja primitiva, os cristãos ortodoxos têm sustentado que o universo fora criado por um Deus transcendente que é totalmente responsável pela existência daquele e de tudo que ele contém. Este é um ensino que os cristãos herdaram dos judeus e compartilharam com os de fé islâmica.

            No começo do século XIII, contudo, uma grande mudança histórica ocorreu na Europa Ocidental, conforme as obras dos antigos filósofos naturais e matemáticos gregos tornaram-se disponíveis em latim pela primeira vez. Especialmente importantes foram os trabalhos de Aristóteles, que elaborou os princípios básicos da natureza e desenvolveu uma metodologia de pesquisa científica que prometia, com o tempo, desvendar os segredos do universo.

            Esta revolução científica causou grande entusiasmo entre os acadêmicos falantes do latim nas então novas universidades europeias. Eles pesquisaram avidamente em muitas das ciências naturais e, essencialmente, fundaram a tradição histórica das ciências experimentais que continua até hoje. Não demorou muito para que houvesse progresso em áreas como astronomia matemática, óptica, meteorologia, botânica, zoologia e outras ciências.

            Ao mesmo tempo, a nova ciência era motivo de preocupações, pois alguns teólogos viram nela um desafio para a doutrina da criação. Especificamente, os naturalistas gregos sustentavam que “algo não pode vir do nada”. De fato, os filósofos gregos utilizavam seu princípio fundamental como base para afirmar que o universo é eterno: Não pode haver nem um primeiro nem um último movimento. Pareceu para os contemporâneos de Tomás de Aquino que tal ideia era incompatível com a doutrina da criação ex nihilo.

             Neste debate medieval aparece Aquino, o qual raciocinou assim: Deus é o autor de toda verdade; o objetivo da pesquisa científica é a verdade; portanto, não pode haver nenhuma incompatibilidade fundamental entre os dois. Desde que entendamos a doutrina cristã apropriadamente e façamos bem nossa ciência, acharemos a verdade.

            Contudo, o que dizer do aparente conflito entre a noção de criação a partir do nada e o princípio científico de que para todo movimento ou estado natural existe um movimento ou estado antecedente? Ver um conflito aqui, diz Aquino, é resultado de uma confusão em relação à natureza da criação e da mudança natural. É um erro que pode ser chamado de “falácia cosmogónica”.

Do nada

            Aquino argumentou que tal erro foi distinguir entre causa no sentido de uma mudança natural de certo tipo e causa no sentido de um trazer à existência último algo a partir de nenhum estado antecedente. Creatio non est mutatio, diz Aquino: o ato de criação não é mudança de algum tipo.

            Os filósofos naturais gregos estavam bastante corretos em dizer que do nada, nada vem. Mas por “vir” eles queriam dizer uma mudança de um estado para outro, a qual requer alguma realidade material subjacente. Ela também requer alguma possibilidade pré-existente para esta mudança, uma possibilidade que reside em alguma coisa.

             A criação, por outro lado, é o causar radical da existência inteira de tudo o que existe. Ser a causa completa da existência de algo não é o mesmo que produzir uma mudança em algo. Não é uma questão de tomar algo e transforma-lo em outra coisa, como se houvesse alguma matéria primordial a qual Deus utilizara para criar o universo. Em vez disto, a criação é o resultado da agência divina sendo totalmente responsável pela produção, repentina e completamente, da totalidade do universo, com todas as suas entidades e operações, de absolutamente nada pré-existente.

             Estritamente falando, pontua Aquino, o Criador não cria algo do nada no sentido de tomar algum “nada” e fazer algo deste. Isto é um erro conceitual, porque trata “nada” como alguma coisa. Pelo contrário, a doutrina cristã da criação ex nihilo afirma que Deus fez o universo sem fazer ele de qualquer outra coisa. Em outras palavras, qualquer coisa deixada inteiramente por si mesma, completamente separada da causa de sua existência, não existiria – ela seria absolutamente nada. A causa última da existência de qualquer coisa e todas as coisas é Deus Criador – não de algum nada, mas simplesmente do nada.

            Olhando desta maneira, a nova ciência do século XIII, da qual nossa ciência moderna se desenvolveu, não era uma ameaça para a tradicional doutrina cristã da criação. Conhecer as causas naturais dos entes naturais é algo diferente de saber que todos os entes e operações naturais dependem radicalmente da causa última da existência de todas as coisas: Deus o criador. Criação não é mudança. Criação é uma causa, mas de um muito diferente (de fato, único) tipo. Só evitando a falácia cosmogônica alguém é capaz de entender corretamente a doutrina cristã da criação ex nihilo.

Tome o hipopótamo, por exemplo

            Duas implicações desta distinção entre mudança e criação são dignas de nota aqui. Uma é que Deus criou sem gastar tempo para criar: Ele cria eternamente. Criação não é um processo com um começo, um meio e um fim. É, simplesmente, uma realidade: a realidade da completa dependência do universo da agência de Deus. A outra implicação é a radical alteridade da agência de Deus. A causalidade produtiva de Deus é diferente daquela de qualquer causa natural, porque Deus não apenas produz o que ele produz de repente, sem qualquer processo, mas também sem requerer qualquer coisa pré-existente ou quaisquer pré-condições. Deus não age como parte de um processo, nem inicia um processo onde não havia nenhum antes. Não existe antes algum para Deus; não existe nenhum estado pré-existente do qual a ação de Deus procede. Deus é total e imediatamente presente como causa de todos e de quaisquer processos.

            Com base nestas implicações para o correto entendimento da criação, os tomistas fazem distinção entre a existência e as operações dos entes naturais. Deus causa a existência dos entes naturais de um modo tal que eles sejam os agentes de suas próprias operações. De fato, se este não fosse o caso, então Deus não teria criado este ente natural, mas outro. O salmão nada corrente acima para desovar. Ao criar o salmão, Deus criou um peixe que se reproduz deste modo. Se Deus criou o salmão sem sua agência reprodutiva natural, então ele não criou o salmão, mas outra coisa.

            Considere outro exemplo: um grande mamífero quadrúpede, como o hipopótamo, dá a luz a seus filhotes. Como? Bem, poderíamos responder dizendo que “Deus faz isto”. No entanto, isto poderia, apenas, significar que Deus criou o hipopótamo – de fato, a ordem dos mamíferos[1] – com a morfologia, composição genética, etc., que são as causas de o mesmo animal dar a luz. Deus não “interfere” nas operações normais do hipopótamo para causar sua procriação. Se alguém pensar “Deus faz isso”, significando que Deus intervém na natureza dessa maneira, este alguém seria culpado da Falácia Cosmogônica.

            Agora, se esta distinção entre o ser de algo e suas operações é correta, então a natureza e suas operações são independentes no sentido de que a natureza opera conforme o seu modo de ser, não porque algo externo esteja atuando nela. Deus não age na natureza da maneira que um ser humano pode agir em um artefato para modificá-lo. Em vez disto, Deus causa os entes naturais para que sejam de tal modo que operem de acordo com suas naturezas. Os hipopótamos dão a luz porque este é o tipo de coisa que eles são. Por que existem coisas como hipopótamos? Bem, a natureza os produziu de algum modo. De que modo a natureza os produziu e por que a natureza produz as coisas desse modo? É porque Deus fez a totalidade da natureza operar desta maneira e produzir por sua própria agência o que ela produz. Assim, Deus permanece completamente responsável pelo ser e operações de todas as coisas, mesmo que os entes naturais possuam agência real, de acordo com o modo segundo o qual foram criados.

“Deus das lacunas”

            À luz deste esboço do relato tomista da criação e causa natural, alguém pode, talvez, entender a relutância dos tomistas contemporâneos em se apressar em defender os teóricos do DI. Parece que a teoria do DI está baseada na falácia cosmogônica. Muitos que se opõem ao relato darwinista padrão da evolução biológica identificam criação com intervenção divina na natureza. Isto é porque muitos estão preocupados demais com descontinuidades na natureza, tais como as descontinuidades no registro fóssil. Eles veem nelas evidências da ação divina no mundo, com o fundamento de que tais descontinuidades só poderiam ser explicadas pela ação divina direta. Esta insistência de que a criação deva significar que Deus tem periodicamente produzido formas de vida novas e distintas é confusão do fato da criação com a maneira ou modo de desenvolvimento dos entes naturais no universo. Esta é a falácia cosmogônica.

            Entre as tentativas mais sofisticadas dos teóricos do DI de opor-se à explicação darwiniana para a formação dos organismos está o argumento da complexidade irredutível, do bioquímico Michael Behe. Ele argumenta que existem formas de vida específicas e subsistemas bióticos que são irredutivelmente complexos e que não poderiam surgir por meio da seleção natural. Sistemas e formas irredutivelmente complexas revelam design inteligente na natureza e, portanto, indicam a realidade de um projetista inteligente do universo.

Os teóricos do DI ficam, amiúde, perplexos – até um pouco desconsertados – de os tomistas não reconhecerem o peso do argumento de Behe. Afinal de contas, os tomistas são bastante abertos para a noção de que a criação provê evidência para a existência do Criador – os argumentos cosmológicos para a existência de Deus baseados na ordem e operação da natureza têm, há muito tempo, sido domínio especial dos tomistas.

            Por que, então, os tomistas não estão entre os mais ardentes defensores de Behe? Primeiramente, os tomistas concordariam com muitos biólogos que têm apontado que as alegações de complexidade irredutível de Behe falham em distinguir entre a ausência de uma explicação natural da origem de certos sistemas complexos e o juízo de que tal explicação é, em princípio, impossível. Os tomistas, contudo, iriam ainda mais longe que a maioria dos biólogos ao identificar a primeira alegação como relacionada ao conhecimento humano e a segunda como uma afirmação ontológica concernente ao que existe.

Agora, um tomista pode concordar com a alegação de Behe sobre o conhecimento, no sentido que nenhuma tentativa atual ou previsível de explicação para certas complexidades biológicas seja satisfatória. Contudo, um tomista rejeitará a afirmação ontológica de Behe de que tal explicação não possa sequer ser dada em termos das operações da natureza. Esta alegação ontológica depende de uma visão “Deus das lacunas” da agência divina. Esta é a visão de que a natureza, como Deus a criou originalmente, contêm lacunas ou omissões que requerem que Deus as preencha ou repare posteriormente. Dado o entendimento tomista da agência divina, tal visão “Deus das lacunas” é claramente inconsistente com uma concepção apropriada da natureza da criação e, portanto, é uma falácia cosmogônica.

Sem ordem, sem ciência  

Começando com os insights de Tomás de Aquino, os tomistas podem mostrar que a ordem e design evidentes na natureza são, precisamente, aquilo que possibilita a ciência natural. Se a natureza não fosse ordenada, então não existiria uma razão para que as coisas naturais fossem do modo que as observamos. Descobrir tais razões ou causas é propósito da ciência natural. Sem ordem e design na natureza, então, não poderia existir ciência natural. Assim, os seguidores de Darwin que argumentam que a teoria evolutiva remove toda necessidade de postular um projeto na natureza são inconsistentes. Presumivelmente, eles o afirmam com base na ciência natural a qual, se sua alegação for verdadeira, é impossível.

            Ademais, como Aquino argumentou na Summa Theologiae, muitos séculos atrás, a presença de acaso e contingência na natureza mostra que a natureza requer um Criador divino para existir (I:2:3). Novamente, os darwinistas, os quais atribuem tanto peso ao papel do acaso na natureza, são inconsistentes ao negar a criação da natureza. Assim, o tomismo provê uma resposta convincente ao desafio secular de uma teoria evolutiva proposta como alternativa à doutrina da criação. Espécies observadas de plantas e animais podem ou não ser descendentes de ancestrais comuns primordiais. Se eles são, então isto só é porque Deus os criou para ser assim, e sua ancestralidade evolutiva comum é parte de seu projeto divino.

            Os insights de Aquino também proveem uma resposta ao recente desafio à evolução darwiniana por parte da teoria do DI. A criação de Deus do mundo a partir do nada não é o mesmo que uma causa natural. Diferentemente das causas operando na natureza, o ato de Deus na criação é uma realidade completamente não temporal e não progressiva. Deus não intervém na natureza, nem ajusta ou “conserta” as coisas naturais. Deus é a divina realidade sem a qual nenhuma outra realidade poderia existir. Assim, a evidência da dependência última da natureza de Deus como Criador não pode ser a ausência de uma explicação causal natural para alguma estrutura natural em particular. Nossa ciência atual pode ou não ser capaz de explicar qualquer dada característica de organismos vivos, ainda que exista alguma causa explicativa na natureza. O mais complexo dos organismos tem uma explicação natural, mesmo que nós não a conheçamos agora ou talvez nunca venhamos a conhecer.

A causa última de todas as coisas

Contudo, a evidência para a criação de Deus do universo natural é o fato conhecido – um fato que conhecemos com base em nossas pesquisas científicas – de que as coisas naturais são inteligíveis. Se elas são inteligíveis, elas assim o são como produtos da natureza – isto é, elas são inteligíveis em termos de suas causas naturais. Se isto é verdade para a totalidade das coisas naturais, então deve existir alguma causa última para o ser de todas e quaisquer coisas naturais.

            Esta fonte última do ser e inteligibilidade da natureza não pode ser, contudo, outra coisa natural. Ela deve ser algo de fora da natureza que tenha o poder de produzir a totalidade da natureza e não requeira ela mesma uma causa. Ambas a existência e ordem inteligível do universo natural, portanto, mostram que ele existe devido a uma causa última: Deus o Criador.

            Mas mostrar que a contingência e dependência da natureza requerem Deus como causa última desta não é argumentar pela existência de outra causa natural dentro da natureza. Em contraste, articular os detalhes de como a natureza que Deus criou opera é a tarefa das ciências naturais. Assim, o tomismo provê um corretivo para os teóricos do DI que alegam que a ausência de certos tipos de explicação na ciência natural mostra a necessidade de intervenção divina na natureza como um substituto para a causa natural. De acordo com o tomismo, Deus é, de fato, o autor da natureza, mas como sua causa última transcendente. Não como uma causa natural ao lado de outras causas naturais.

O poder corretivo de Tomás de Aquino

            Ambos, o darwinismo, com seu desafio secular à unidade de fé e razão, bem como a tentativa dos teóricos do DI de refutar a teoria evolutiva justificam a escolha, por parte do Papa Leão, de Aquino como o modelo para intelectuais católicos (ver abaixo “A fé católica e a ciência moderna”). O tomismo tem algo útil e corretivo para falar a ambos os lados do debate. Ao mesmo tempo, o tomismo não substitui as ciências naturais, ou talvez, expressando melhor, uma síntese intelectual tomista inclui precisamente o tipo de pesquisa encontrada nas ciências naturais modernas, as quais têm produzido tanto conhecimento acerca da natureza. Na visão tomista, os ensinamentos da fé são totalmente compatíveis com o que aprendemos da natureza através da pesquisa científica, desde que entendamos os ensinamentos divinos corretamente e façamos nossas pesquisas consistente e rigorosamente. A verdade ou falsidade da afirmação de que a diversidade das espécies vivas é devida a algum tipo de processo evolutivo é uma questão a ser estabelecida através de pesquisa biológica. Qualquer que seja o resultado desta pesquisa, ele nunca poderá substituir a necessidade de explicar a existência do mundo natural em termos de uma criação ex nihilo e de acordo com o projeto divino.

            Claramente, as afirmações seculares associadas com o darwinismo moderno requerem o tipo de corretivo proporcionado pelo tomismo. Isto significa, então, que os católicos deveriam se associar aos defensores do DI? Na medida em que a teoria do design inteligente representa uma visão de “Deus das lacunas”, ela é inconsistente com a tradição intelectual católica. Graças aos insights de Tomás de Aquino e seus muitos seguidores através do tempo, os católicos tem disponíveis para si um entendimento da criação mais claro e mais consistente. Se os católicos se valerem desta tradição tomista para si mesmos, eles não terão necessidade de lançar mão de argumentos “Deus das lacunas” para defender os ensinamentos da fé. Eles também terão uma compreensão mais completa e harmoniosa da relação da fé católica com a razão científica.

SUPLEMENTOS

O que é “design inteligente”?

            O movimento do design inteligente ganhou adeptos através de todo o mundo cristão, especialmente entre os protestantes evangélicos. O que é distintivo acerca dele é que o mesmo não rejeita a teoria evolutiva simplesmente em bases religiosas, mas ensaia uma crítica científica. Os teóricos do DI sustentam que a evidência empírica mostra que existem formas biológicas na natureza que não podem ser explicadas em termos de qualquer processo evolutivo. Em vez disto, eles argumentam que tais formas só podem ser explicadas postulando um projetista divino que faz com que a forma exista. Para muitos cristãos, a teoria do design inteligente parece ser um potente desafio à cosmovisão materialista e secular que domina a ciência moderna.

Leitura adicional

            Existe um crescente corpo de literatura sobre a teoria do design inteligente. Consulte as bibliografias disponíveis no site do Discovery Institute (www.discovery.org) para obter uma lista de títulos.

            Para respostas tomistas ao design inteligente:
  • Aquinas on Creation, tr. Steven E. Baldner e William E. Carroll (Pontifical Institute of Medieval Studies, 1997)
  • William E. Carroll, "Creation, Evolution, and Thomas Aquinas," Revue des Questions Scientifiques 171 (2000): 319-47
  • Marie I. George, "On Attempts to Salvage Paley’s Argument from Design," in Science, Philosophy, and Theology, ed. John O’Callaghan (St. Augustine’s Press, 2008)

  Fé católica e ciência moderna

            Em 1879, a Igreja Católica enfrentava uma crise intelectual. Por séculos, o ensino superior e a vida intelectual católicos estavam centralizados nas grandes universidades europeias. Durante a Revolução Francesa, contudo, muitas destas universidades foram fechadas. Nas décadas que se seguiram, novas universidades foram estabelecidas, a maior parte das quais diretamente sob patrocínio estatal. Estas novas instituições de aprendizagem eram, geralmente, seculares em sua orientação e apresentavam um sério desafio à antiga ordem intelectual e moral. Um aspecto especialmente importante deste desafio era a ideia de que o grande avanço científico da época se tornara possível precisamente porque a atividade intelectual teria sido dissociada da Igreja. Para muitos nas novas universidades, ciência e progresso humano pareciam estar em guerra com a mais antiga visão cristã da realidade.

            Entre as novas visões científicas da época que, pensava-se, desafiava seriamente o cristianismo, estava a teoria de Charles Darwin de descendência evolutiva das espécies por meio da seleção natural. Sua concepção de como as forças elementares da natureza geraram os complexos conjuntos orgânicos que observamos no mundo das coisas vivas parecia a muitos estar em oposição ao ensino cristão de que Deus criara o universo de acordo com seu desígnio divino. Darwin parecia ter descoberto o mecanismo – a seleção natural – pelo qual as pressões ambientais permitem certas formas orgânicas, as quais surgem por acaso, sobreviver melhor que seus competidores e proliferarem. O que parecia ser projetado e tornado necessário por Deus é, realmente, o resultado, de ocorrências aleatórias associadas a oportunidades ambientais. Enquanto outrora a doutrina tradicional da criação por um Deus benevolente parecia razoável, agora tal visão afigurava-se como não científica.

            A teoria da evolução de Darwin sugeria que o mais alto bem da coisa viva não é a perfeição do indivíduo dentro de sua espécie de acordo com o desígnio divino, mas a simples sobrevivência. Como o mínimo denominador comum da natureza, a sobrevivência veio a representar o bem para o qual a evolução progredia – um bem que era, meramente, material e sem qualquer origem divina. Mais tarde, alguns defensores da evolução vieram a considerar que mesmo este bem material era similar demais ao design e sustentaram que a evolução não teria objetivo algum – que ela é simplesmente mudança constante e sem direção. O ateu Richard Dawkins, por exemplo, argumenta que a moderna biologia evolutiva prova que o universo “tem precisamente as propriedades que deveríamos esperar se não existir, no fundo, nenhum design, nenhum propósito, nenhum mal e nenhum bem; nada além de cega e impiedosa indiferença” (River Out of Eden, ch. 4 [O Rio que Saia do Éden, cap. 4]). Se a secularização geral da aprendizagem fez a separação entre fé e ciência parecer possível, a teoria da evolução biológica de Darwin fê-la parecer necessária.

            Em face deste desafio, o Papa Leão XIII percebeu que algo precisava ser feito para restaurar a vida intelectual católica e seu testemunho das verdades da fé. Assim, em 1879, ele publicou a encíclica Aeterni Patris, na qual reafirmava um princípio central da tradição intelectual católica: a harmonia entre fé e razão. Os ensinamentos da fé são revelação da verdade de Deus: a ciência, o produto da razão humana, é a busca pela verdade. A verdadeira fé, portanto, não pode se opor à boa ciência porque a verdade é objeto de ambas. A visão secular que veio dominar a moderna vida intelectual era um erro: a fé não é oposta à razão, e a moderna ciência secular não é substituta da antiga fé ensinada pela Igreja. Fé e razão podem, é claro, parecer opostas. Contudo isto só pode ocorrer se ou não compreendermos corretamente o que Deus nos revela ou se cometermos erros em nossa pesquisa científica. Se, por outro lado, entendermos claramente a revelação divina e formos cuidadosos e rigorosos em nossa ciência, então conheceremos a verdade – não uma verdade religiosa e outra verdade científica, mas a verdade – o modo como a realidade é, de fato.

            Percebendo que a exortação para unificar fé e razão seria melhor apoiada por um exemplo, o Papa Leão providenciou um: o teólogo medieval Santo Tomás de Aquino. Se tomássemos Santo Tomás como nosso modelo e inspiração, nós teríamos um bom fundamento sobre o qual poderíamos reconstruir a vida intelectual católica em face do novo desafio secular. Nos quase 130 anos desde o lançamento da Aeterni Patris, um movimento intelectual católico moderno foi, de fato, estabelecido e, seguindo a liderança do Papa Leão, sua característica proeminente foi um tomismo que busca aplicar os insights perenes de Aquino aos problemas da ciência e cultura modernas.

Artigo de Michael W. Tkacz (professor associado de filosofia na Gonzaga University) postado em 01/11/2008 (original aqui). Tradução: Robson Barbosa da Silva.

[1] Na verdade, os mamíferos são uma classe: mammalia (nota do tradutor).

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Probabilidade, Estatística, Evolução e Design Inteligente







Nas últimas décadas, os argumentos contrários à evolução darwiniana têm se tornado cada vez mais sofisticados, substituindo o criacionismo pelo Design Inteligente (DI) e o livro de Gênesis pela bioquímica e a matemática. Como linhas de raciocínio alegadamente baseadas em probabilidade e estatística estão sendo utilizadas para justificar a posição antievolucionista, pode ser do interesse dos leitores de Chance investigar os métodos e alegações dos teóricos do DI.
 

Probabilidade, estatísticas e evolução

            A teoria da evolução afirma, em parte, que as características dos organismos são transmitidas para as sucessivas gerações por meio do material genético e que modificações neste material causam modificações na aparência, habilidade, função e sobrevivência dos organismos. Mudanças genéticas que são vantajosas para o sucesso na reprodução tornam-se, com o tempo, dominantes e novas espécies evoluem. Charles Darwin (1809-1882) é famoso por originar e popularizar a ideia de especiação através de mudanças graduais depois de observar os animais nas ilhas Galápagos.

Hoje, a teoria da evolução é consenso científico no que concerne ao desenvolvimento das espécies, mas ela é, mesmo assim, rotineiramente desafiada por seus detratores. A National Academy of Sciences (NAS) e o Medicine Institute (MI) publicaram recentemente um documento revisado e atualizado intitulado “Science, Evolution, and Creationism”. O qual descreve a teoria da evolução e investiga a relação entre ciência e religião. Embora o último tópico seja de interesse por seu próprio direito, deve-se ressaltar, sendo justo com os proponentes do DI, que muitos deles não aplicam argumentos religiosos contra a evolução e este artigo não lida com questões de fé e religião.

Como as probabilidades e estatísticas entram em cena? Em estatística, hipóteses são avaliadas com os dados coletados de modo que se introduza o menor viés possível e com o máximo de precisão possível. Uma hipótese sugere o que esperaríamos observar ou medir, sendo a mesma hipótese verdadeira. Se tal predição não concorda com os dados observados, a hipótese é rejeitada e hipóteses mais plausíveis são sugeridas e avaliadas. Existem muitas técnicas e métodos estatísticos que podem ser utilizados, e eles estão todos firmemente enraizados na teoria da probabilidade, a “matemática do acaso”.

Um Desafio de Teste de Hipóteses do DI para a Evolução

Em seu livro The Design Inference, William Dembski apresenta o “filtro explanatório” como um dispositivo para descartar explicações baseadas no acaso e inferir o design dos fenômenos observados. O filtro também aparece em seu livro No Free Lunch, onde sua descrição difere ligeiramente. Em essência, o filtro é uma variação do teste de hipóteses estatísticas, a principal diferença sendo que aquele pretende excluir o acaso completamente, ao invés de apenas uma hipótese nula especifica. Uma vez que todas as explicações ocasionais foram descartadas, o design é inferido. Assim, neste contexto, o design é meramente visto como o complemento do acaso.

Para ilustrar o filtro, Dembski usa o exemplo de Nicholas Caputo, um democrata de New Jersey que estava encarregado de reunir as cédulas em seu condado. Os nomes deveriam ser listados em ordem aleatória e, supostamente, existe uma vantagem em ter a linha superior da cédula. Como Caputo conseguiu colocar um democrata na linha superior em 40 das 41 eleições, ele era suspeito de fraude. Na terminologia de Dembski, a fraude agora desempenha o papel de design, o qual é inferido pela exclusão do acaso.

Vejamos, primeiramente, como um estatístico pode abordar o caso de Caputo. O modo, pelo qual Caputo deveria retirar nomes dá origem a uma hipótese nula H0 : p = ½, e uma hipótese alternativa HA : p > ½, onde “p” é a probabilidade de retirar um democrata. Um teste binomial padrão de p = ½ baseado na frequência relativa observada ˆp = 40/41 ≈ 0.98 leva a uma sólida rejeição de H0 em favor de HA, com um valor-p de menos que 1 em 50 bilhões, assumindo retiradas independentes. Um estatístico poderia, também, considerar a possibilidade de valores diferentes de p em diferentes retiradas, ou dependência entre listagens para diferentes disputas.

O que, então, um “teórico do design” faria de diferente? Para aplicar o filtro de Dembski e inferir design, precisamos excluir todas as explicações com base no acaso; isto é, precisamos excluir ambos H0 e HA. Não existe nenhum modo de fazer isto com certeza, e, para continuar, é preciso utilizar-se de outros métodos que não o cálculo de probabilidades. A solução de Dembski é tomar a palavra de Caputo de que ele não usou um dispositivo de randomização defeituoso e concluir que a única hipótese de acaso relevante é H0. Pode parecer questionável confiar em um homem acusado de fraude, mas como dificilmente faz diferença para o caso se Caputo fraudou por “design inteligente” ou por “acaso inteligente”, não vamos discutir, mas generosamente aceitar que o filtro explicativo chegue à mesma conclusão do teste: Caputo cometeu fraude. As deficiências do filtro são, no entanto, óbvias, mesmo em um exemplo tão simples.

Em No Free Lunch, Dembski tenta aplicar o filtro a um problema biológico real: a evolução do flagelo bacteriano, o pequeno dispositivo de movimento tipo chicote que algumas bactérias, como a E. coli, possuem. Dembski discute o número e tipo de proteínas necessárias para formar as diferentes partes do flagelo e calcula a probabilidade de que uma configuração aleatória produzirá o flagelo (usando a analogia de comprar aleatoriamente ingredientes para um bolo). Ele conclui de ser extremamente improvável obter algo utilizável que o design deva ser inferido.

Uma comparação do tratamento de Dembski do caso de Caputo com o do flagelo é altamente ilustrativo, focando em dois aspectos. Primeiramente, em cada caso, Dembski só considera uma hipótese de acaso – a distribuição uniforme de possíveis sequências e configurações proteicas, respectivamente. Ele não apresenta qualquer argumento sobre o motivo pelo qual rejeitar a distribuição uniforme excluiria todas as outras hipóteses do acaso. Em vez disto, ele transfere o ônus da prova para o “cético do design”, o qual, de acordo com Dembski, “necessita explicitamente propor uma nova explicação com base no acaso e defender sua relevância”. No caso de Caputo, pode-se justificar testar apenas uma hipótese de acaso, já que existe apenas uma dessas hipóteses que seja justa, mas a situação é radicalmente diferente para o flagelo, onde a não uniformidade não contradiz em absoluto um processo evolucionário de mutação e seleção natural. Dembski rotineiramente usa a distribuição uniforme como um sinônimo de falta de conhecimento, uma prática duvidosa que tem sido exposta pelo probabilista Olle Häggström.

Em segundo lugar, a sequência específica de democratas e republicanos que Caputo produziu deve ser posta junto com outras sequências comparáveis para se obter a região de rejeição. Mais especificamente, necessitamos considerar o conjunto de 42 sequências que tem, no mínimo, 40 democratas e calcular sua probabilidade. Dembski faz isto corretamente no caso de Caputo, mas quando ele vem para o do flagelo, ele não considera a região de rejeição; ele simplesmente calcula a probabilidade do resultado.

O modo pelo qual Demski aborda este problema é utilizar seu próprio termo, “especificação”, um conceito vago que não possui uma definição matemática estrita, mas pretende ser uma generalização da região de rejeição. Em um ensaio intitulado “Specification: The Pattern That Signifies Intelligence”, é dito que “Especificação denota o tipo de padrão que eventos altamente improváveis devem exibir antes que alguém possa atribuí-los à inteligência”. Em No Free Lunch, a entrada no índice “Specification, definition of” leva a uma página onde especificação é um sinônimo para região de rejeição. O filtro exige que, em dado momento, calculemos uma probabilidade, assim, o que quer que seja a "especificação", deve ser possível convertê-la no objeto matemático de um conjunto.

No caso de Caputo, as duas descrições são facilmente integradas, pois a fraude pode ser descrita como padrões do tipo “mais Democratas que Republicanos”, os quais também correspondem a conjuntos de sequências. Contudo, quando se trata de aplicações biológicas, como o flagelo, Dembski simplesmente afirma que a especificação "sempre se refere à função" e não desenvolve a ideia.

Ao contrário do exemplo simples de Caputo, é agora muito obscuro como uma relevante região de rejeição seria formada. A função biológica sob consideração é a mobilidade, e não dever-se-ia considerar apenas a estrutura do flagelo e as suas proteínas. Em vez disto, deve-se formar o conjunto de todas as possíveis proteínas e combinações daquilo que poderia ter levado a algum dispositivo de mobilidade através de mutações e seleção natural, o que é, para dizer o mínimo, uma tarefa desencorajadora.

Um ponto geral de crítica contra o design inteligente é que este não oferece quaisquer explicações científicas para os fenômenos naturais, mas tenta, meramente, descredibilizar a evolução darwiniana, com fins de inferir o design por exclusão. O filtro de Dembski é desenhado para esta abordagem; tentando excluir todas as hipóteses, ele objetiva inferir design sem prover quaisquer hipóteses de design alternativas.

Acima, foi demonstrado como o filtro tem problemas, mesmo quando ele é visto inteiramente dentro do paradigma escolhido por Dembski do teste de hipótese “puramente eliminativo”. Outros têm criticado a natureza eliminativa do filtro, afirmando que uma inferência de design útil deve ser comparativa. Em um capítulo intitulado “Design by Elimination vs. Design by Comparison” em seu livro The Design Revolution, Dembski contesta este tipo de crítica. Ele começa por fazer uma “verificação da realidade”, concluindo que “as ciências procuram Ronald Fisher e não Thomas Bayes por sua metodologia estatística”, referindo-se à divisão na comunidade dos estatísticos (na medida em que tal divisão realmente existe) entre a abordagem frequentista – na qual parâmetros desconhecidos são vistos como constantes e estão sujeitos a testes de hipóteses – e a abordagem bayesiana – na qual parâmetros desconhecidos são vistos como variáveis randômicas descritas por suas distribuições de probabilidade. Contudo, o tipo de eliminação pura que ele concebe não é como o teste estatístico de hipóteses feito nas ciências. Uma hipótese nula H0 não é meramente rejeitada; ela é rejeitada em favor de uma hipótese alternativa HA. Além disso, alguém pode calcular a probabilidade dos dados por várias opções de parâmetros especificadas por HA para concluir que a evidência está, de fato, a favor de HA (o assim chamado “poder de cálculo”). Portanto, a metodologia estatística das ciências é eliminativa e comparativa.

Uma razão para Dembski tentar se alinhar com o campo dos frequentistas é que existem problemas indisputáveis com a “inferência bayesiana de design”. Por exemplo, para alguém aplicar os métodos bayesianos, teria que atribuir uma distribuição de probabilidade prévia a várias hipóteses de acaso e de design, o que é, obviamente, uma tarefa desesperadora. Dembski não está satisfeito com tal contracrítica limitada, mas decide assumir a inferência bayesiana completamente. Ele afirma que a inferência bayesiana é “parasita da abordagem fisheriana”, já que uma análise bayesiana também deve utilizar regiões de rejeição! Ele afirma até mesmo que os bayesianos fazem isto “rotineiramente”, mas não oferece nenhum exemplo. Como a abordagem bayesiana inteira é incompatível com o conceito de teste de hipóteses em geral e regiões de rejeição em particular, qualquer exemplo desse tipo certamente abalaria o mundo das estatísticas.

Para ilustrar seu ponto, Dembski revisita o exemplo de Caputo. Em sua notação, o evento E é a sequência observada de 40 democratas e um republicanos em alguma ordem fixa, e o evento E* é o conjunto de 42 sequências com no mínimo 40 democratas. Portanto, E* é a região de rejeição do teste de hipótese acima e a afirmação de Dembski é que uma análise bayesiana deve também usar E*, em vez de E.

Aqui está uma típica análise bayesiana do exemplo de Caputo: p, visto aqui como uma variável randômica, denota a probabilidade de selecionar um democrata; f denota a densidade prévia de p, e assume testes independentes. A densidade posterior de p, condicionada na sequência observada E, então, satisfaz a relação de proporcionalidade f(p|E) p40(1 - p)ƒ(p), onde o fator p40(1-p) é a probabilidade de E se o verdadeiro valor do parâmetro é p.

Por exemplo, se escolhemos uma distribuição uniforme prévia para p, a distribuição posterior vem a ser uma assim chamada distribuição Beta, com média de 41/43. Nesta distribuição posterior, a probabilidade de que p não seja superior a 1/2 resulta apenas em 10-11, o que dá clara evidência contra a seleção justa. A análise bayesiana não envolve o conjunto E* ou qualquer região de rejeição. Para fazer a inferência bayesiana de design, seria necessário aumentar o espaço de parâmetro para permitir várias hipóteses de projeto e computar suas respectivas probabilidades. Independentemente de como isso seria feito na pratica, nenhuma região de rejeição seria formada.

Um desafio do DI à probabilidade da evolução

Michael Behe apresentou sua crítica à biologia evolutiva em dois livros: Darwin's Black Box [A Caixa Preta de Darwin], publicado em 1996, e The Edge of Evolution, publicado em 2007. O primeiro não contém muita matemática, mas em The Edge of Evolution, Behe tem um capítulo intitulado The Mathematical Limits of Darwinism, onde ele tenta utilizar probabilidade e estatística para defender a causa do DI.

O argument central de Behe contra a evolução humana parte de como o parasita da malária, P. falciparum, tem se tornado resistente à cloroquina. A razão para citar o parasita da malária é uma estimativa da literatura de que o conjunto de mutações necessário para a resistência à cloroquina tem uma probabilidade de cerca de 1 em 1020 de ocorrer espontaneamente.

Qualquer estatístico é obrigado a se perguntar como tal estimativa é obtida, e, desnecessário dizer, ela é muito grosseira. Obviamente, ninguém realizou um grande número de testes binomiais controlados, contando o número de parasitas e eventos de mutação bem-sucedidos. Em vez disto, a estimativa é obtida considerando o número de vezes nas quais a resistência à cloroquina não apenas apareceu, mas também se fixou em populações locais – uma abordagem que obviamente leva a uma subestimativa de magnitude desconhecida da taxa real de mutações de acordo com a revisão de Nicholas Matzke's em Trends in Ecology & Evolution.

Behe deseja pontuar que populações microbianas são tão grandes que mesmo eventos altamente improváveis poderão ocorrer sem a necessidade de qualquer explicação sobrenatural, mas sua fixação em uma estimativa tão incerta e sua elevação ao status paradigmático parece uma prática estranha para um cientista. Behe estabelece uma definição que incorpora a figura 1-em-1020: “apelidemos o conjunto de mutações deste grau de complexidade – 1 em 1020 – ‘conjunto de complexidade de cloroquina’, ou CCCs”.

Ele então afirma que, na população humana dos últimos 10 milhões de anos, onde existiram, apenas, cerca de 1012 indivíduos, as chances são sólidas contra um evento tão improvável ocorresse uma vez sequer. Nas próprias palavras e itálicos de Behe:

Em média, para humanos atingirem uma mutação como esta por acaso, precisamos esperar cem milhões de vezes dez milhões de anos. Desde que isto é muitas vezes maior que a idade do universo, é razoável concluir o seguinte: Nenhuma mutação que é da mesma complexidade da resistência da malária à cloroquina surgiu por evolução darwiniana na linhagem que levou aos seres humanos nos últimos 10 milhões de anos.

Superficialmente, seu argumento pode parecer convincente. Nós humanos somos tremendamente complexos, e o parasita da malária consiste de só uma célula. Claramente, seria absurdo afirmar que evoluímos sem experimentar sequer uma mutação tão complexa quanto a que, demonstrativamente, o pequeno germe experimentou. Mas não é preciso se aprofundar muito para reconhecer problemas com as declarações de Behe.

Em primeiro lugar, ele deixa o conceito “complexidade” indefinido – uma prática que é, claramente, anátema em qualquer análise matemática. Assim, quando ele define um CCC como alguma coisa que tem um certo “grau de complexidade”, nós não sabemos do quê estamos medindo o grau. A ausência de uma clara definição é um problema fundamental quando se afirma que algo é provado, mas, mesmo assim, observemos mais atentamente as afirmações de Behe.

Como ditto, sua conclusão sobre os humanos é, óbvio, totalmente errônea, pois quê ele afirma que nenhum evento mutacional (em oposição a algum evento de mutação específico) de probabilidade de 1 em 1020 poderia ocorrer em uma população de 1012 indivíduos (um erro similar a afirmar que muito provavelmente ninguém vencerá a loteria porque é altamente improvável que um indivíduo em particular vença). Obviamente, Behe pretende considerar mutações que sejam não apenas raras, mas também úteis, como se pode concluir de sua afirmação: “Assim, um CCC não é apenas a chance de uma determinada proteína obter as mutação corretas; ela é a probabilidade de um conjunto apropriado de mutações surgir em um organismo inteiro”.

Note-se que Behe agora afirma que CCC é uma probabilidade; enquanto que este tinha, antes, sido definido como um conjunto de mutações, outra confusão que surge da falha de Behe em dar uma definição precisa de seu conceito-chave.

Um problema que Behe enfrenta é que “raridade” pode ser definida e ordenada em termos de probabilidade; enquanto que ele não sugere nenhuma definição separada de “eficácia”. Para um exemplo interessante, também abordado por Behe, considere outra droga contra a malária, a atovaquona, para a qual o parasita desenvolveu resistência. A probabilidade estimada é, aqui, cerca de 1 em 1012, portanto, uma tarefa muito mais fácil que aquela relacionada à resistência à cloroquina. Deveríamos, então, concluir que a resistência à atovaquona é 100 milhões de vezes pior, menos útil e menos efetiva que a resistência à cloroquina? De acordo com a lógica de Behe, deveríamos.

Behe tem certeza que a sua probabilidade de 1 em 1020 é estimada de dados, em vez de calculada a partir de pressupostos teóricos. Esta abordagem leva a uma situação de dilema[1] se considerarmos a população humana com seus 1012 membros. A alegação de Behe é que não tem existido um único CCC na população humana, e, assim, a evolução darwiniana é impossível. Mas, se um CCC é uma frequência relativa observada, como poderia ter existido algum na população humana? Tão logo uma mutação tenha sido observada, não importa o quão útil ela seja para nós, a mesma tem uma frequência relativa observada de, no mínimo, 1 em 1012 e, assim, está muito longe de adquirir o status mágico de CCC. Pense sobre isto. Nem mesmo um neandertal transformado em um cientista de foguetes seria bom o suficiente; o pobre coitado ainda perderia decisivamente para o germe da malária e seu CCC, assim como quase qualquer mutação em quase qualquer população.

No sentido acima, a afirmação de Behe é vagamente verdadeira. Por outro lado, Behe agora se coloca em um canto onde ele não pode obter qualquer evidência empírica de design porque, assim que uma mutação for observada, sua existência é atribuível à evolução darwinista apenas por argumentos de número da população. Existe alguma população de qualquer espécie em que certos indivíduos carregam uma mutação útil e outros não, de modo que essa mutação possa ser explicada pela evolução darwiniana? Behe já nos disse que um desses exemplos é a resistência à cloroquina na malária. Existe alguma população de qualquer espécie em que alguns indivíduos carregam uma mutação útil e outros não, de modo que essa mutação não pode ser explicada pela evolução darwiniana? Não. Se algum de n indivíduos experimenta uma mutação, a probabilidade estimada da mutação é 1/n. Independente de quão pequeno seja esse número, a mutação é facilmente atribuída ao acaso, porque existem n indivíduos para tentar. Qualquer argumento para design baseado em probabilidades estimadas de mutação deve, portanto, ser puramente especulativo.

Argumentos contra a teoria da evolução vêm em muitas formas, mas a maioria compartilha a noção de improbabilidade, talvez sua forma mais famosa sendo expressa na afirmação do astrônomo britânico Fred Hoyle de que a emergência aleatória de uma célula é tão provável quanto um Boeing 747 sendo criado por um tornado varrendo um ferro-velho. Probabilidade e estatística são disciplinas bem desenvolvidas, com ampla aplicabilidade em muitos ramos da ciência, e não é surpreendente que se tentou elaborar argumentos de probabilidade contra a evolução. A avaliação cuidadosa destes argumentos, contudo, revela suas insuficiências.

Leitura adicional

Elsberry, W, and Shallit, J. (2004) "Playing Games with Probability: Dembski's Complex Specified Information." In Why Intelligent Design Fails: A Scientific Criatique of the New Creationism, Rutgers University Press: Piscataway, New Jersey.

Häggström, O. (2007) "Intelligent Design and the NFL Theorems." Biology and Philosophy, 22:217-230.

Matzke, N. (2007) "Book Review: The Edge of Creationism." Trends in Ecology & Evolution, 22:566-567.

National Academy of Sciences and Institute of Medicine (2008). Science, Evolution, and Creationism. Washington, DC: The National Academies Press. www.nap.edu/catalog/11876.html

Olofsson, P. (2008) "Intelligent Design and Mathematical Statistics: A Troubled Alliance." Biology and Philosophy (in press).

Perakh, M. (2003) Unintelligent Design. Prometheus Books: Amherst, New York.

Shallit, J. (2002) "Book Review: No Free Lunch." BioSystems, 66:93-99.

Sober, E. (2002) "Intelligent Design and Probability Reasoning." International Journal for the Philosophy of Religion, 52:65-80.



Artigo de Peter Olofsson postado em 24/11/2008 (original aqui). Tradução: Robson Barbosa da Silva.


[1]No original, “catch-22” (nota do tradutor).