Artigo do doutor Richard H. Bube (1927-),
publicado em 1971 no Journal of the American Scientific Affiliation, do qual o mesmo
era editor. O autor é professor emérito de Ciência de Materiais e Engenharia
Elétrica na Universidade de Stanford. O texto representa o posicionamento da American
Scientific Affiliation (ASA), a mais antiga organização de cientistas cristãos
nos Estados Unidos, no que tange à doutrina da criação. Boa leitura.
Deveria ser bem conhecido dos
leitores do Journal ASA que a
ASA não toma uma posição oficial em questões controversas. A criação não é uma
questão controversa. Eu não tenho hesitação alguma em afirmar: “Nós cremos na
criação”, por todos os membros da ASA.
A
doutrina bíblica da criação é uma das mais ricas doutrinas reveladas por Deus a
nós. Ela nos revela que o Deus que nos ama é, também, o Deus que nos criou, bem
como a todas as coisas. Isto imediatamente estabelece a relação entre o Deus da
fé religiosa e o Deus da realidade física. É por causa da criação que confiamos
na realidade de uma estrutura física e moral no universo, o qual podemos
explorar enquanto cientistas e experimentar enquanto pessoas. É por causa da
criação que sabemos que o universo e tudo nele dependem, momento a momento, do
poder sustentador e atividade de Deus. É por causa da criação que sabemos que
não somos o produto final de processos sem significado em um universo
impessoal, mas homens e mulheres feitos à imagem de um Deus pessoal. É pela
formulação de “criação a partir do nada” que afirmamos que Deus criou o
universo livre e separadamente, e rejeitamos as alternativas do dualismo e
panteísmo. Adorar a Deus como Criador é enfatizar ambas Sua transcendência
sobre a ordem natural e Sua proximidade na ordem natural. É reconhecer que Seu
modo de existência enquanto Criador é completamente outro em relação ao nosso
modo de existência enquanto criados. Apreciar a Deus como Criador é reconhecer
aquilo que Ele criou como intrinsecamente bom; a base lógica para a
investigação científica, a garantia do significado pessoal último na vida, e a
natureza do mal como uma aberração em uma criação boa são todas intrínsecas a
tal apreciação. Nós acreditamos na criação. É impensável para o cristão fazer
outra coisa.
Por causa deste caráter
fundamental da doutrina bíblica da criação, é lamentável quando a palavra
“criação” é utilizada de modo estreito e restritivo para referir-se não ao fato
da criação, mas ao possível modo da atividade criativa, usualmente àquele modo
conhecido como criação fiat. Quando
está implícito que criação e evolução são, necessariamente, mutuamente
exclusivas, ou quando o termo “criação” é utilizado como se esta fosse,
essencialmente, um mecanismo científico para as origens, uma profunda confusão
de categorias está envolvida. A implicação é, intencionalmente ou não, que, se
a evolução deveria ser o mecanismo apropriado para o crescimento e
desenvolvimento das formas vivas, então a criação teria que ser rejeitada.
Colocar tal escolha é causar dano básico à posição cristã. É jogar diretamente nas
mãos daqueles evolucionistas que argumentam que seu entendimento da evolução
acaba com o significado teológico da criação. Se tal evolucionista está errado
ao acreditar que sua descrição biológica elimina a necessidade de uma descrição
teológica, o cristão antievolucionista está errado por crer que sua descrição
teológica deve tornar qualquer descrição biológica impossível.
A chave para muita da
controvérsia sobre a evolução repousa no reconhecimento da necessidade e propriedade
de descrições, em níveis diferentes de realidade, do mesmo fenômeno. Mesmo uma
descrição biológica completa não elimina a necessidade de uma descrição
teológica, assim como uma completa descrição teológica não afasta a
possibilidade de uma descrição biológica compatível. A evolução pode ser considerada sem negar-se a
criação; a criação pode ser aceita
sem excluir-se a evolução. A evolução é uma questão científica no nível
biológico; seria, de fato, lamentável se a uma questão científica fosse
permitida tornar-se o ponto crucial para a fé cristã.
A filosofia evolucionista –
digamos, em vez disto, a religião evolucionista – pode muito bem ser algo bem
diferente. Em sua forma anticristã, tal evolucionismo filosófico pode envolver
uma exaltação do homem, uma negação da realidade da culpa moral em qualquer
sentido teológico e, portanto, uma interpretação da vida e morte de Jesus como
nada mais que um bom exemplo. Nesta visão, o desenvolvimento e melhoria
contínuos são inevitavelmente assegurados à medida que o homem, agora cônscio
da evolução, completa por si mesmo o processo das eras. Tal evolucionismo é um
sistema de fé que compete pela lealdade religiosa dos homens, e contra a qual a
fé cristã é chamada a pôr-se de pé. Mas se é verdade que o evolucionista deve
perceber que tem pouco apoio científico para extrapolar a evolução biológica em
um princípio geral de vida, o antievolucionista deve perceber que ele tem pouca
justificativa religiosa sobre a qual atacar uma teoria científica que trata de
mecanismos biológicos. Quão trágico frequentemente é quando cristãos, buscando
evitar os erros do evolucionismo filosófico, disseminam a mentira de que a
eficácia da fé no sacrifício de Cristo depende, efetivamente, da aceitação
dogmática da criação fiat e da
rejeição dogmática de quaisquer processos evolutivos.
Nós cremos na criação. Nós
louvamos ao Senhor por esta fé. Mas evitemos ou colocar a criação e a evolução
como alternativas intrinsecamente antitéticas, a aceitação de uma exigindo a
rejeição de outra, ou apresentando a criação como um mecanismo científico
alternativo à evolução, como se a boa ciência devesse, em última instância,
levar à verificação da criação fiat e
à falsificação da evolução.
Artigo original aqui. Tradução: Robson Barbosa da
Silva.
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