Páginas

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Nós cremos na criação...


Criação dos animais (1551), de Jacopo Robusti, o "Tintoretto" (1518-1594).

Artigo do doutor Richard H. Bube (1927-), publicado em 1971 no Journal of the American Scientific Affiliation, do qual o mesmo era editor. O autor é professor emérito de Ciência de Materiais e Engenharia Elétrica na Universidade de Stanford. O texto representa o posicionamento da American Scientific Affiliation (ASA), a mais antiga organização de cientistas cristãos nos Estados Unidos, no que tange à doutrina da criação. Boa leitura.

Deveria ser bem conhecido dos leitores do Journal ASA que a ASA não toma uma posição oficial em questões controversas. A criação não é uma questão controversa. Eu não tenho hesitação alguma em afirmar: “Nós cremos na criação”, por todos os membros da ASA.

            A doutrina bíblica da criação é uma das mais ricas doutrinas reveladas por Deus a nós. Ela nos revela que o Deus que nos ama é, também, o Deus que nos criou, bem como a todas as coisas. Isto imediatamente estabelece a relação entre o Deus da fé religiosa e o Deus da realidade física. É por causa da criação que confiamos na realidade de uma estrutura física e moral no universo, o qual podemos explorar enquanto cientistas e experimentar enquanto pessoas. É por causa da criação que sabemos que o universo e tudo nele dependem, momento a momento, do poder sustentador e atividade de Deus. É por causa da criação que sabemos que não somos o produto final de processos sem significado em um universo impessoal, mas homens e mulheres feitos à imagem de um Deus pessoal. É pela formulação de “criação a partir do nada” que afirmamos que Deus criou o universo livre e separadamente, e rejeitamos as alternativas do dualismo e panteísmo. Adorar a Deus como Criador é enfatizar ambas Sua transcendência sobre a ordem natural e Sua proximidade na ordem natural. É reconhecer que Seu modo de existência enquanto Criador é completamente outro em relação ao nosso modo de existência enquanto criados. Apreciar a Deus como Criador é reconhecer aquilo que Ele criou como intrinsecamente bom; a base lógica para a investigação científica, a garantia do significado pessoal último na vida, e a natureza do mal como uma aberração em uma criação boa são todas intrínsecas a tal apreciação. Nós acreditamos na criação. É impensável para o cristão fazer outra coisa.

Por causa deste caráter fundamental da doutrina bíblica da criação, é lamentável quando a palavra “criação” é utilizada de modo estreito e restritivo para referir-se não ao fato da criação, mas ao possível modo da atividade criativa, usualmente àquele modo conhecido como criação fiat. Quando está implícito que criação e evolução são, necessariamente, mutuamente exclusivas, ou quando o termo “criação” é utilizado como se esta fosse, essencialmente, um mecanismo científico para as origens, uma profunda confusão de categorias está envolvida. A implicação é, intencionalmente ou não, que, se a evolução deveria ser o mecanismo apropriado para o crescimento e desenvolvimento das formas vivas, então a criação teria que ser rejeitada. Colocar tal escolha é causar dano básico à posição cristã. É jogar diretamente nas mãos daqueles evolucionistas que argumentam que seu entendimento da evolução acaba com o significado teológico da criação. Se tal evolucionista está errado ao acreditar que sua descrição biológica elimina a necessidade de uma descrição teológica, o cristão antievolucionista está errado por crer que sua descrição teológica deve tornar qualquer descrição biológica impossível.

A chave para muita da controvérsia sobre a evolução repousa no reconhecimento da necessidade e propriedade de descrições, em níveis diferentes de realidade, do mesmo fenômeno. Mesmo uma descrição biológica completa não elimina a necessidade de uma descrição teológica, assim como uma completa descrição teológica não afasta a possibilidade de uma descrição biológica compatível. A evolução pode ser considerada sem negar-se a criação; a criação pode ser aceita sem excluir-se a evolução. A evolução é uma questão científica no nível biológico; seria, de fato, lamentável se a uma questão científica fosse permitida tornar-se o ponto crucial para a fé cristã.

A filosofia evolucionista – digamos, em vez disto, a religião evolucionista – pode muito bem ser algo bem diferente. Em sua forma anticristã, tal evolucionismo filosófico pode envolver uma exaltação do homem, uma negação da realidade da culpa moral em qualquer sentido teológico e, portanto, uma interpretação da vida e morte de Jesus como nada mais que um bom exemplo. Nesta visão, o desenvolvimento e melhoria contínuos são inevitavelmente assegurados à medida que o homem, agora cônscio da evolução, completa por si mesmo o processo das eras. Tal evolucionismo é um sistema de fé que compete pela lealdade religiosa dos homens, e contra a qual a fé cristã é chamada a pôr-se de pé. Mas se é verdade que o evolucionista deve perceber que tem pouco apoio científico para extrapolar a evolução biológica em um princípio geral de vida, o antievolucionista deve perceber que ele tem pouca justificativa religiosa sobre a qual atacar uma teoria científica que trata de mecanismos biológicos. Quão trágico frequentemente é quando cristãos, buscando evitar os erros do evolucionismo filosófico, disseminam a mentira de que a eficácia da fé no sacrifício de Cristo depende, efetivamente, da aceitação dogmática da criação fiat e da rejeição dogmática de quaisquer processos evolutivos.

Nós cremos na criação. Nós louvamos ao Senhor por esta fé. Mas evitemos ou colocar a criação e a evolução como alternativas intrinsecamente antitéticas, a aceitação de uma exigindo a rejeição de outra, ou apresentando a criação como um mecanismo científico alternativo à evolução, como se a boa ciência devesse, em última instância, levar à verificação da criação fiat e à falsificação da evolução.

Artigo original aqui. Tradução: Robson Barbosa da Silva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário