Esta série de posts pretende ser uma introdução básica à ciência da evolução para os não especialistas. Você pode ver a introdução da série aqui. Neste post, colocaremos a “Eva mitocondrial” e o “Adão do cromossomo Y” em seus contextos paleontológicos.
No último
post desta
série, chegamos, finalmente, às origens de nossa própria espécie, Homo sapiens. Com base nos mais antigos
restos no registro fóssil, sabemos que humanos anatomicamente modernos estavam
presentes na África a 200 mil anos atrás. Deste ponto de partida, nossa espécie
estava pronta para expandir-se para a Ásia e Europa, começando por volta de 100
KYA[1]
(isto é, 100 kiloanos[2],
uma abreviação para 100 mil anos atrás), e, em significativa medida, a cerca de
50 mil anos. Fazendo isto, seguiríamos e, mais tarde, encontraríamos outras
espécies Homo que teriam deixado a
África antes de nós. Tais grupos incluem os neandertais e denisovanos, bem como
o Homo erectus, o qual, como temos
visto, também deixou a África e estava amplamente distribuído na Ásia,
incluindo as populações na Indonésia que formariam a base para as seminais descobertas
de Eugene Dubois. Os neandertais e denisovanos compartilham uma população
ancestral comum a cerca de 400 mil anos, embora não seja claro se sua população
ancestral comum deixou a África ou se suas linhagens se separaram na África e
ambos os grupos emigraram independentemente. Quanto ao Homo erectus, os restos fósseis mostram que ele estava amplamente
distribuído na Ásia desde 1,8 milhão de anos atrás. É nesta época que
alcançamos um ponto na evolução humana que muitos evangélicos têm, ao menos,
ouvido falar – o último ancestral comum fêmea de todos os humanos modernos, popularmente
conhecida como “Eva mitocontrial”, e o equivalente macho – nosso último
ancestral comum macho, popularmente conhecido como “Adão do cromossomo Y”.
Relações entre os hominíneos e tempo aproximado de
divergência para as linhagens que levam aos neandertais, denisovanos e humanos
modernos.
Eva mitocondrial e Adão do
cromossomo Y: ancestrais comuns, mais não ancestrais únicos.
Espere
só um segundo, você diz – não há forte evidência que os humanos modernos descendem
de uma população que nunca chegou a ter menos que 10 mil indivíduos (e isto é um tópico
de significativas consideração
teológica)? Como é
possível, então, que todos os humanos compartilhem uma única mulher e um único
homem como ancestrais comuns? A resposta
é que todos os humanos compartilham um único homem e uma única mulher como
ancestrais comuns – mas que estes ancestrais não são nossos únicos, ou exclusivos, ancestrais. Em
vez disto, ambos vêm daquela população de cerca de 10 mil indivíduos – a evidência
para a qual (e as questões teológicas que isto levanta) discutiremos nos
próximos posts.
Entender
como os humanos podem ter ancestrais únicos maternos e paternos dentro de uma
população geneticamente diversa requer que façamos uma breve excursão na
genética, e especificamente como certas formas de DNA são herdadas. Como discutimos
previamente, nossas
mitocôndrias têm seu próprio pequeno cromossomo como remanescente de seu tempo
como uma bactéria de vida livre. Em humanos, as mitocôndrias são transmitidas
apenas da mãe para a criança. O esperma não doa mitocôndria para o ovo
fertilizado. Como resultado, o DNA mitocondrial é herdado através da linhagem
materna, apenas, em contraste com o DNA cromossômico regular, o qual é herdado
através de ambas as linhagens materna e paterna. O padrão materno-específico de
herança para o DNA mitocondrial se presta a que certas variantes mitocondriais
“dominem” uma população, o que podemos ilustrar utilizando uma grande árvore
familiar, ou pedigree (uma nota acerca dos símbolos do pedigree: círculos
representam fêmeas; quadrados representam machos. Uma barra horizontal
conectando-os representa um cruzamento; e uma barra vertical partindo de um
cruzamento é conectada à descendência daquele cruzamento).
No pedigree abaixo, vemos uma
grande família estendida que mostra a herança de três variantes mitocondriais (marcadas
com cores diferentes). Para manter o pedigree compacto o suficiente para
mostrar, as linhas tracejadas indicam cruzamentos que se conectam entre si de
um lado para o outro. Como podemos ver, a variante vermelha “Mito 3” tomou, ou
“varreu”, esta população. Todos os indivíduos nas gerações mais recentes desta
família compartilham a mulher do alto à direita como ancestral comum para sua
mitocôndria:
Usando o mesmo
pedigree, tracemos agora algumas variantes hipotéticas do cromossomo Y. O
cromossomo Y, obviamente, é passado, apenas, de pai para filho, do que resulta
um padrão paterno-específico de herança. Este padrão, como o padrão
materno-específico para a herança mitocondrial, pode também levar a certas
variantes “varrerem” facilmente uma população. Suponhamos que esta família
também tem três variantes do cromossomo Y nas gerações mais antigas:
Neste caso, a variante cromossomo Y “1” varre a
população, e todos nas gerações mais recentes têm o homem marcado em amarelo
como seu ancestral comum macho mais recente.
Agora
que identificamos os ancestrais comuns feminino e masculino das gerações mais
recentes neste pedigree, podemos indicar que eles não são seus ancestrais únicos. Ambos a “Eva” mitocondrial e o
“Adão” do cromossomo Y desta família vêm de uma grande população – e podemos
mostrar isto facilmente observando a variação presente no DNA cromossômico
regular – o tipo transmitido através de ambas linhagens materna e paterna.
Retornemos
exatamente ao mesmo pedigree, mas agora ilustrando a variação no DNA
cromossômico regular com diferentes cores. Agora é muito mais difícil para esta
variação varrer uma população em curto prazo, porque esta variação pode ser transmitida
por ambos machos e fêmeas:
Em
contraste com o padrão do DNA mitocondrial e do cromossomo Y, podemos ver uma
diversidade de variação no DNA cromossômico regular transmitido das mais
antigas gerações às mais recentes. Por exemplos, considere o casal do meio na
primeira geração. Embora sua variação mitocondrial e do cromossomo Y tenha sido
perdida nesta população, a variação cromossômica regular do macho (representada
pela linha azul) chegou até o presente dia sem problema. Sendo assim, temos um
“registro” de sua ancestralidade na população, mesmo após sua variação do
cromossomo Y ter sido perdida. Similarmente, considere a fêmea no casal da
esquerda na primeira geração. Embora sua variação mitocondrial tenha sido
perdida, sua variação cromossômica regular (representada pela linha vermelha)
foi transmitida. Assim, a quantidade total de variação genética nos cromossomos
regulares é uma ferramenta para determinar quantos ancestrais esta população
possui.
É esta
variação no DNA cromossômico regular que indica que esta população não tem
sofrido uma redução drástica no tamanho populacional no passado recente – e
que, embora possamos apontar ancestrais comuns recentes para o DNA mitocondrial
e para o cromossomo Y, estes ancestrais comuns vêm de uma população
geneticamente diversa. Assim também com nossa própria linhagem – também temos
um ancestral comum materno para nosso DNA mitocondrial (a “Eva” mitocondrial),
bem como um ancestral comum paterno para o DNA do cromossomo Y (“Adão” do
cromossomo Y). A diversidade de nosso DNA cromossômico regular, contudo,
mostra-nos que estes indivíduos faziam parte de uma grande população
geneticamente diversa. Como no exemplo com o qual temos trabalhado, sabemos
disto por causa da diversidade que vemos no DNA cromossômico regular nas
populações humanas modernas.
Então,
por que o entusiasmo com estes dois indivíduos? De várias formas, isto é um
exagero. Estes indivíduos são notáveis apenas por serem os últimos ancestrais
comuns de só uma pequena parte de nossos genomas (DNA mitocondrial e do
cromossomo Y, respectivamente). Embora seja um fato interessante, eles não eram
notavelmente diversos de outros em suas respectivas populações. Se os
cientistas não os tivessem rotulado com nomes aludindo à narrativa bíblica,
eles provavelmente seriam pouco conhecidos entre os cristãos.
Localizando a Eva mitocondrial e
o Adão do cromossomo Y no tempo
As
estimativas atuais colocam a Eva mitocondrial logo após o alvorecer do Homo sapiens como registrado no
documento fóssil, a cerca de 180 mil anos. Isto a coloca dentro de nossa
espécie. Até recentemente, o Adão do cromossomo Y era datado mais recentemente,
a cerca de 50 mil anos, o tempo de significativa emigração humana da África.
Recentemente, contudo, uma rara variação do cromossomo Y que empurra o último ancestral comum de todo o
DNA do cromossomo Y humano para aproximadamente 210 mil anos atrás foi encontrada
nos humanos modernos – o que, curiosamente, está no limite de nossa espécie
como registrado no documento fóssil. Desde que nossa espécie surgiu como uma
população contínua que divergiu gradualmente de outros hominíneos, não existe
razão alguma para esperar que toda nossa variação de DNA retorne a um ancestral
comum (ou coalesça, para usar o termo técnico) dentro de nossa espécie. De
fato, algumas de nossas variações não coalescem dentro de nossa espécie ou mesmo
na população de nosso ancestral comum com o chimpanzé. Como temos discutido
antes, “espécie” é um termo de conveniência que os biólogos utilizam para
tentar desenhar uma linha no que é, de fato, um gradiente de mudança gradual –
e, biologicamente, nossa espécie não é exceção.
No
próximo post nesta série, exploraremos mais ainda os difusos limites de nossa
própria espécie enquanto viajamos com alguns de nossos ancestrais para fora da
África – e encontramos outras espécies de hominíneos no processo.
Artigo de Dennis Venema postado em 13/03/2014 (original em BioLogos). Tradução: Robson Barbosa da Silva.
Artigo de Dennis Venema postado em 13/03/2014 (original em BioLogos). Tradução: Robson Barbosa da Silva.
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