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quinta-feira, 3 de maio de 2018

Princípios Básicos da Evolução: Tornando-se Humanos, Parte 1: Eva Mitocondrial e Adão do Cromossomo Y

 

Esta série de posts pretende ser uma introdução básica à ciência da evolução para os não especialistas. Você pode ver a introdução da série aqui. Neste post, colocaremos a “Eva mitocondrial” e o “Adão do cromossomo Y” em seus contextos paleontológicos.

            No último post desta série, chegamos, finalmente, às origens de nossa própria espécie, Homo sapiens. Com base nos mais antigos restos no registro fóssil, sabemos que humanos anatomicamente modernos estavam presentes na África a 200 mil anos atrás. Deste ponto de partida, nossa espécie estava pronta para expandir-se para a Ásia e Europa, começando por volta de 100 KYA[1] (isto é, 100 kiloanos[2], uma abreviação para 100 mil anos atrás), e, em significativa medida, a cerca de 50 mil anos. Fazendo isto, seguiríamos e, mais tarde, encontraríamos outras espécies Homo que teriam deixado a África antes de nós. Tais grupos incluem os neandertais e denisovanos, bem como o Homo erectus, o qual, como temos visto, também deixou a África e estava amplamente distribuído na Ásia, incluindo as populações na Indonésia que formariam a base para as seminais descobertas de Eugene Dubois. Os neandertais e denisovanos compartilham uma população ancestral comum a cerca de 400 mil anos, embora não seja claro se sua população ancestral comum deixou a África ou se suas linhagens se separaram na África e ambos os grupos emigraram independentemente. Quanto ao Homo erectus, os restos fósseis mostram que ele estava amplamente distribuído na Ásia desde 1,8 milhão de anos atrás. É nesta época que alcançamos um ponto na evolução humana que muitos evangélicos têm, ao menos, ouvido falar – o último ancestral comum fêmea de todos os humanos modernos, popularmente conhecida como “Eva mitocontrial”, e o equivalente macho – nosso último ancestral comum macho, popularmente conhecido como “Adão do cromossomo Y”.



Relações entre os hominíneos e tempo aproximado de divergência para as linhagens que levam aos neandertais, denisovanos e humanos modernos.

Eva mitocondrial e Adão do cromossomo Y: ancestrais comuns, mais não ancestrais únicos.

            Espere só um segundo, você diz – não há forte evidência que os humanos modernos descendem de uma população que nunca chegou a ter menos que 10 mil indivíduos (e isto é um tópico de significativas consideração teológica)? Como é possível, então, que todos os humanos compartilhem uma única mulher e um único homem como ancestrais comuns? A resposta é que todos os humanos compartilham um único homem e uma única mulher como ancestrais comuns – mas que estes ancestrais não são nossos únicos, ou exclusivos, ancestrais. Em vez disto, ambos vêm daquela população de cerca de 10 mil indivíduos – a evidência para a qual (e as questões teológicas que isto levanta) discutiremos nos próximos posts.

            Entender como os humanos podem ter ancestrais únicos maternos e paternos dentro de uma população geneticamente diversa requer que façamos uma breve excursão na genética, e especificamente como certas formas de DNA são herdadas. Como discutimos previamente, nossas mitocôndrias têm seu próprio pequeno cromossomo como remanescente de seu tempo como uma bactéria de vida livre. Em humanos, as mitocôndrias são transmitidas apenas da mãe para a criança. O esperma não doa mitocôndria para o ovo fertilizado. Como resultado, o DNA mitocondrial é herdado através da linhagem materna, apenas, em contraste com o DNA cromossômico regular, o qual é herdado através de ambas as linhagens materna e paterna. O padrão materno-específico de herança para o DNA mitocondrial se presta a que certas variantes mitocondriais “dominem” uma população, o que podemos ilustrar utilizando uma grande árvore familiar, ou pedigree (uma nota acerca dos símbolos do pedigree: círculos representam fêmeas; quadrados representam machos. Uma barra horizontal conectando-os representa um cruzamento; e uma barra vertical partindo de um cruzamento é conectada à descendência daquele cruzamento).

No pedigree abaixo, vemos uma grande família estendida que mostra a herança de três variantes mitocondriais (marcadas com cores diferentes). Para manter o pedigree compacto o suficiente para mostrar, as linhas tracejadas indicam cruzamentos que se conectam entre si de um lado para o outro. Como podemos ver, a variante vermelha “Mito 3” tomou, ou “varreu”, esta população. Todos os indivíduos nas gerações mais recentes desta família compartilham a mulher do alto à direita como ancestral comum para sua mitocôndria:


            Usando o mesmo pedigree, tracemos agora algumas variantes hipotéticas do cromossomo Y. O cromossomo Y, obviamente, é passado, apenas, de pai para filho, do que resulta um padrão paterno-específico de herança. Este padrão, como o padrão materno-específico para a herança mitocondrial, pode também levar a certas variantes “varrerem” facilmente uma população. Suponhamos que esta família também tem três variantes do cromossomo Y nas gerações mais antigas:


Neste caso, a variante cromossomo Y “1” varre a população, e todos nas gerações mais recentes têm o homem marcado em amarelo como seu ancestral comum macho mais recente.

            Agora que identificamos os ancestrais comuns feminino e masculino das gerações mais recentes neste pedigree, podemos indicar que eles não são seus ancestrais únicos. Ambos a “Eva” mitocondrial e o “Adão” do cromossomo Y desta família vêm de uma grande população – e podemos mostrar isto facilmente observando a variação presente no DNA cromossômico regular – o tipo transmitido através de ambas linhagens materna e paterna.

            Retornemos exatamente ao mesmo pedigree, mas agora ilustrando a variação no DNA cromossômico regular com diferentes cores. Agora é muito mais difícil para esta variação varrer uma população em curto prazo, porque esta variação pode ser transmitida por ambos machos e fêmeas:


            Em contraste com o padrão do DNA mitocondrial e do cromossomo Y, podemos ver uma diversidade de variação no DNA cromossômico regular transmitido das mais antigas gerações às mais recentes. Por exemplos, considere o casal do meio na primeira geração. Embora sua variação mitocondrial e do cromossomo Y tenha sido perdida nesta população, a variação cromossômica regular do macho (representada pela linha azul) chegou até o presente dia sem problema. Sendo assim, temos um “registro” de sua ancestralidade na população, mesmo após sua variação do cromossomo Y ter sido perdida. Similarmente, considere a fêmea no casal da esquerda na primeira geração. Embora sua variação mitocondrial tenha sido perdida, sua variação cromossômica regular (representada pela linha vermelha) foi transmitida. Assim, a quantidade total de variação genética nos cromossomos regulares é uma ferramenta para determinar quantos ancestrais esta população possui.

            É esta variação no DNA cromossômico regular que indica que esta população não tem sofrido uma redução drástica no tamanho populacional no passado recente – e que, embora possamos apontar ancestrais comuns recentes para o DNA mitocondrial e para o cromossomo Y, estes ancestrais comuns vêm de uma população geneticamente diversa. Assim também com nossa própria linhagem – também temos um ancestral comum materno para nosso DNA mitocondrial (a “Eva” mitocondrial), bem como um ancestral comum paterno para o DNA do cromossomo Y (“Adão” do cromossomo Y). A diversidade de nosso DNA cromossômico regular, contudo, mostra-nos que estes indivíduos faziam parte de uma grande população geneticamente diversa. Como no exemplo com o qual temos trabalhado, sabemos disto por causa da diversidade que vemos no DNA cromossômico regular nas populações humanas modernas.

            Então, por que o entusiasmo com estes dois indivíduos? De várias formas, isto é um exagero. Estes indivíduos são notáveis apenas por serem os últimos ancestrais comuns de só uma pequena parte de nossos genomas (DNA mitocondrial e do cromossomo Y, respectivamente). Embora seja um fato interessante, eles não eram notavelmente diversos de outros em suas respectivas populações. Se os cientistas não os tivessem rotulado com nomes aludindo à narrativa bíblica, eles provavelmente seriam pouco conhecidos entre os cristãos.

Localizando a Eva mitocondrial e o Adão do cromossomo Y no tempo

            As estimativas atuais colocam a Eva mitocondrial logo após o alvorecer do Homo sapiens como registrado no documento fóssil, a cerca de 180 mil anos. Isto a coloca dentro de nossa espécie. Até recentemente, o Adão do cromossomo Y era datado mais recentemente, a cerca de 50 mil anos, o tempo de significativa emigração humana da África. Recentemente, contudo, uma rara variação do cromossomo Y  que empurra o último ancestral comum de todo o DNA do cromossomo Y humano para aproximadamente 210 mil anos atrás foi encontrada nos humanos modernos – o que, curiosamente, está no limite de nossa espécie como registrado no documento fóssil. Desde que nossa espécie surgiu como uma população contínua que divergiu gradualmente de outros hominíneos, não existe razão alguma para esperar que toda nossa variação de DNA retorne a um ancestral comum (ou coalesça, para usar o termo técnico) dentro de nossa espécie. De fato, algumas de nossas variações não coalescem dentro de nossa espécie ou mesmo na população de nosso ancestral comum com o chimpanzé. Como temos discutido antes, “espécie” é um termo de conveniência que os biólogos utilizam para tentar desenhar uma linha no que é, de fato, um gradiente de mudança gradual – e, biologicamente, nossa espécie não é exceção.

            No próximo post nesta série, exploraremos mais ainda os difusos limites de nossa própria espécie enquanto viajamos com alguns de nossos ancestrais para fora da África – e encontramos outras espécies de hominíneos no processo.

Artigo de Dennis Venema postado em 13/03/2014 (original em BioLogos). Tradução: Robson Barbosa da Silva.

[1] Abreviação de “kiloyears”, ou mil anos (nota do tradutor).
[2] Não encontramos esta palavra em português ou algo equivalente ao termo inglês “kiloyears” (nota do tradutor).

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